sábado, 1 de janeiro de 2011

FIM DE SÉCULO

Condorcet Aranha                                                                                                                                                                                                                       
                                                           
       Despedimo-nos do ano dois mil e as lembranças sequer ainda tornaram-se necessárias para nossas comparações; não são suficientes para elaborarmos uma fórmula ideal ou mesmo, uma simples média aritmética dos fatos ocorridos no transcurso do século XX. Com certeza não nos faltarão personagens ou passagens pitorescas, hilariantes, de terror, fatos comprovados de descasos, dissoluções de instituições que no passado nos tenham orgulhado ou mesmo lágrimas suficientes, capazes de regarem nossa mesa, dessa lauta refeição preparada com o carinho e a dignidade daquele que escolhemos para estrelar, com méritos incontestáveis, nosso fim de século. Nosso astro é e sempre será insubstituível pois tenho certeza que, nenhum de nós encontrará no globo terrestre, alguém capaz de reunir as aptidões e qualidades do nosso escolhido.
       À luz das evidências, câmaras, ação: Sob um cenário de ira, fumaça, bombas e corpos lançados em pedaços ao ar, aos nossos anfitriões a saga do poder. Capitalismo, domínio, transgressões constitucionais, desrespeito à cidadania, fome, direitos humanos, lazer, saúde, educação, cultura, distantes, muito distantes, até quando?
       À luz das evidências, câmaras, ação: Novamente nosso astro em ação, magnífico, perfeito, desempenho irreparável, completo. Novo crânio de macaco é encontrado, a teoria da evolução de Charles Darwin é contestada, novas pesquisas, outros rumos, horizontes futuros mais distantes, muito distantes, até quando?        
       À luz das evidências, câmaras, ação: corpos de jovens encontrados à beira de ruas,      estradas, em frente às discotecas, bares, escolas, dentro de casa, com drogas, bebidas, dinheiro, sem nada e as famílias distantes, muito distantes, até quando?
       À luz das evidências, câmaras, ação: Trabalho infantil, miséria, incerteza, vergonha, desmandos, escravidão, o dinheiro, direito, respeito, orgulho e a fama distante, muito distante, até quando?
       À luz das evidências, câmaras, ação: Somos números, apenas números. Investimos no futuro de um número, na esperança de dias melhores, na educação com números melhores, mortalidade infantil com números melhores, agricultura de números melhores e na população com números cada vez maiores, muitos números, só números, inclusive num novo século com números maiores, distantes, muito distantes, até quando?
       À luz das evidências, câmaras, ação: Os sentidos se fazem representar; a respiração, difícil, pouco oxigênio, muita poluição, audição instável, sons imperceptíveis ou muito acima dos limites permitidos, visão perdida num horizonte totalmente cinza, sem foco, um caleidoscópio de natureza morta, paladar inexistente e mascarado pelos produtos industrializados, aromatizados, conservados, corados, o tato nas solas dos pés ou nas palmas das mãos, pouco sensível e agredido por produtos industriais, desnecessários.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                
      À luz das evidências, câmaras, ação: Esperança em Marte, evidências da existência de água, de vida, quem sabe outros seres? Que seres? Mas a esperança de vida cada vez mais distante, muito distante, até quando?
       À luz das evidências, câmaras, ação: Nosso ator volta à cena, inabalável, impoluto, intocável, insensível, sanguinário, insatisfeito e se repete. Multiplica-se sucessivamente, insaciável, busca multiplicar-se por clones tentando, ao menos julga, o melhoramento ideal para sua figura, transfigurada na mentalidade e irremediavelmente vencida pelo orgulho, ambição, individualismo e egocentrismo que serão responsáveis pelo fim do nosso ator, o insignificante homem.  
       À luz das evidências, câmara, ação: ADEUS.  

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Está crônica foi feita na passagem do ano 2000, mas como podemos notar nada mudou os problemas são os mesmos e muita coisa vale para repensarmos em 2011.

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