sábado, 31 de dezembro de 2011

1° Lugar - XIII CONCURSO NACIONAL DE POESIAS

O Escritor e Poeta Condorcet Aranha recebeu, n memoriam, pelo 1°Lugar com a poesia "Fragmento-me" na Categoria Profissional no XIII Consurso Nacional de Poesias do Clube dos Escritores de Piracicaba em 30 de Outubro de 2011.


FRAGMENTO-ME

 

Escrevo porque sei, porque todos os dias acordo e vivo.

Exponho-me sem regras, traumas ou medos, incisivo.

Escrevo porque que creio e com o amor que tenho. Sem ter que concordar contigo.

Sou parte da verdade que o mundo anseia e sei o quanto é difícil tê-la aqui, amigo.

Sigo meu instinto com o qual nasci a quem por todo o tempo eu serei fiel,

Ciente caso justo seja, você também irá como eu para o etéreo no azul do céu.



Assim, tenho certeza que com honestidade cumprirei o meu papel, pois,

Entenderei porque à vida vim, para que existo e até por ser feliz assim,

Sem o torpe orgulho e com sentimento puro saberei dizer a todos

Que são iguais tanto os animais como vegetais. Eu acho e escrevo

Para me expor porque dos supra-sumos não serei capacho. Tudo

É vulnerável ao tempo e a razão, doce como o mel, amargo como o fel que sinto.



Não hei de ser a cópia de uma grande escrita nem sombra de quem foi agora.

Espero ficar só e me prestar a todos, jamais a poucos, isto não.

Não hei de ser lembrado entre os “médicos” ou “loucos”, mas,

Vivendo intensamente com a verdade crua do meu eu, certamente,

Entenderei a cada verso, em qualquer nível, o sentimento meu. O tempo

Trará a solução, favorável ou adversa, no entanto inevitável ela nos dirá,



Nas gerações futuras o real valor do tudo ou nada do que deixei. O que

Será julgado não pelos meus pares ou competidores entre os mais diversos. Fui,

Entre sábios e leigos, a mistura em dose certa ao me expressar em versos? Único,

Talvez, porém capaz de enfrentar o verso e o adverso, o palácio e a favela. Sincero

Nos meus atos do cotidiano, pareceres ou mesmo julgamentos, apenas,

Imparcial e honesto, ao lhe doar, os fragmentos do existir, do eu.

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Após a leitura do texto o declamador segue lendo apenas as palavras em negrito para conclusão do mesmo.

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Vivo incisivo contigo, amigo fiel do céu,

Pois, assim, a todos escrevo tudo que sinto.

Agora não! Mas, certamente, o tempo dirá o que fui.

Único, sincero, apenas eu.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

DECADÊNCIA




Condorcet Aranha

Quando a voz da experiência
Cala-se pela vergonha,
É o homem que em decadência,
Volta a crer na tal cegonha.

Alegra-se novamente
com os folguedos das crianças,
Porque a mente já doente
Não lhe cria as esperanças.

Transformado pela vida
Num rejeito de matéria,
Teve a alma consumida
E dilatada as artérias.

Portanto as poucas batidas,
Que lhe restam ao coração,
Não mais serão entendidas,
Nem causarão sensação.

Estando escravo da mente
Nas correntes do destino,
É um verdadeiro indigente
A cometer desatinos.

Pois, só na hora fatal,
No momento do adeus,
Será seu prêmio final
Ao perguntar: Quem é Deus?

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O SER POETA


Condorcet Aranha

O ser poeta é perfumar palavras,
Com a fragrância de um milhar de flores,
É ter paixão envolta em suas lavras,
E dividir-se igual aos seus amores.

O ser poeta é qual buquê de estrelas,
A salpicar o céu da ilusão,
Pra quando a lua aparecer e vê-las,
Você sentir pequeno o coração.

É ter palavras doces e serenas,
Para embalar o sonho em noite fria,
E de manhã que a brisa vem amena,
Banhar-se ao sol, calor de um novo dia.

O ser poeta é ver as esperanças,
Multiplicando ao longo da existência,
É ficar velho em almas de crianças
Mascando balas só de coerência.

O ser poeta é quem o verso faz,
Na intimidade de uma alma louca,
Acreditando que há de ver a paz,
Embora saiba que a chance é pouca.

É insistir em só falar verdade,
Não aceitar estar sentindo dor,
Acreditar na tal felicidade,
Distribuir a todos seu amor.

O ser poeta nunca aceita o fim,
Seu horizonte é interminável,
Se me perguntam o que farei de mim!
Serei poeta! Não é formidável?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

BOCHECHINHA OU ZÉ DA BARBA?


 

      Bochechinha, uma menina muito loira e de pele branca, com olhos azuis bastante vivos, irradiava alegria incontida porque vivia fazendo estripulias saudáveis, próprias das crianças que esbanjam saúde. Seu apelido originou-se das bochechas que estavam sempre muito vermelhas e suadas. Porém, toda vez que ela se deparava com o Zé da Barba, um cidadão comum, de parcos recursos, que perambulava pelas ruas do bairro onde morava, ficava atemorizada, devido à sua aparência rude, pouco trato, a barba serrada e de voz grossa e rouca, além de muito falador. Nesses dias, Bochechinha era uma outra menina, recolhia-se em sua casa e passava o dia lendo estórias infantis.
      Na cabeça da menina criavam-se cenas envolvendo como ator principal o Zé da Barba, logicamente essas criações, invariavelmente faziam do ator um homem mau, que pegava crianças, castigava os seus companheiros e não hesitava em afasta-los do seu convívio, caso fosse contrariado ou desobedecido.
      O seu José, dono da padaria que fica na esquina da rua aonde ela mora, tentava tirar essa cisma de Bochechinha explicando-lhe que o homem era bom, gostava de criança e não castigava os seus companheiros, conforme vivia imaginando. Mas tudo era em vão, a menina não escutava ninguém, nem mesmo as justificativas dadas por sua própria mãe. Bastava o homem aparecer que ela saía voada da rua.
      O tempo passa e as circunstâncias mudam. Assim como nas árvores que frutificam, seus frutos amadurecem e depois apodrecem, se não forem conservados, também as pessoas enfrentam as mesmas situações, razão porque necessitam de conduta equilibrada, honestidade e principalmente respeito para com os preceitos, deveres e direitos dos demais pares da sociedade onde vive.
      A vida continuou e foi trazendo suas novidades: Bochechinha cresceu e tornou-se uma bela moça, corajosa, formada em filosofia e pós-graduada em psicologia, é uma das mais respeitadas personalidades daquela comunidade; o seu José da padaria faleceu aos oitenta anos sem conseguir fazer com que a menina aceitasse o Zé da Barba; a mãe de Bochechina, envelhecida, porém madura como os frutos das árvores,  não  mais  tenta  explicar  para  a  filha quem é aquele
homem que ela tanto temia porque, agora todos já o conhecem sobejamente.
      Assim a vida vai pregando suas peças, ora agradáveis ou por vezes desagradáveis, mas todos temos que aceita-las e corrigi-las quando possível. Aquelas que estiverem fora do nosso alcance, terão que ser deglutidas, queira-se ou não.
      Para surpresa maior, Zé da Barba conseguiu um emprego na fábrica da cidade e por suas características fortes, passou a liderar seus companheiros, conforme já fazia quando estava a perambular pelas ruas, tornando-se ponto de referência da classe. Ficou muito conhecido e todos acreditavam nas suas proposições, tanto que acabou por alcançar grandes cargos e chegou a ser o líder maior de toda a região. A seguir alçou vôos ainda maiores destacando-se a nível nacional, devido suas propostas e promessas, feitas para tantos quantos o ouviam.
      Bochechinha continua morando na mesma casa onde cresceu, ao lado de sua mãe. Por ter perdido seu pai aos dois anos de idade e vivido a sua infância nas pacatas ruas do bairro, os moradores tornaram-se seus tios, fazendo com que ela tenha agora, a maior família daquela cidade. Porém, aquela doce menina de olhos azuis que com sua imaginação, colocou uma máscara aterrorizante na figura popular de Zé da Barba, permanece irredutível quanto às suas opiniões sobre ele, apesar de toda a sua formação cultural. Parece obcecada ou mesmo traumatizada por seu passado.
      Zé da Barba está no topo da mídia, vive momentos de glória e leva consigo seguidores quase fanáticos. Veste uma máscara, logicamente no sentido figurado, das mais simpáticas e desejadas pela comunidade em geral e, aos poucos, começa a impor algumas de suas posições, às quais particularmente acredita que sejam as melhores. Mas há de se perguntar: - Estará ele de posse da verdade, tem todo o preparo necessário capaz de possibilita-lo a fazer vistas grossas ou mesmo não se importar, com os criteriosos julgamentos de seus opositores?
      Quem sabe a verdade esteja na manga de um dos vestidos da Bochechinha?
      Teremos que aguardar porque, somente o tempo poderá nos esclarecer quais são as reais intenções de Zé da Barba. Se realmente procura junto com seus companheiros o melhor para toda a comunidade ou levado pela saga dos que, parcialmente agraciados pelo reconhecimento popular, acredita ser um marco histórico, imagina perpetuar-se ao longo dos anos decidindo os destinos de todos e acaba, como tantos outros, vencido por seu próprio egocentrismo e irônicos ideais ou até mesmo aterrorizantes, como os imaginados por Bochechinha?
      Infelizmente, não poderemos deixar impressões a favor ou contra nenhum de nossos artífices ou quem sabe atores, porque ambos estão iniciando seus escritos de vida, nas suas novas atividades, inerentes ao cargo que ocupam no momento e, é óbvio que a prudência será o melhor caminho para poder-se deslindar o mistério presente.
      Omissão nunca, prudência sempre! Com essas duas armas da verdade, haveremos de vencer qualquer inimigo que esteja escondido nas trincheiras da ilusão, farsa ou deslealdade.
      Usar o tempo como aliado é ter a certeza de que serão superados todos os obstáculos presentes e futuros, com ciência e consciência.
      Bochechinha e Zé da Barba, certamente terão que dar feição à máscara que, sendo apenas uma, está em disputa pela primazia de estampar apenas a verdade.
      A nós, cabe a espera e esperança de que essa máscara traga estampado o semblante alegre da vitória, não de Bochechinha ou Zé da Barba, mas de todo o povo brasileiro.                       
      

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CHOVIA A CÂNTAROS


 Condorcet Aranha

Era muita chuva, chovia a cântaros.
Enquanto caminhava pelas ruas,
Levando na bagagem solidão e prantos,
Mais forte me apertavam as saudades suas.

Era verão, a tarde transformou-se em noite,
De cada raio, cuja luz riscava o céu,
Seus estrondos eram qual o açoite,
Chicoteando, jogando-me ao léu.

Não haverá pra mim, aqui, outro papel?
Que ator eu sou, sem ovação ou vaia da platéia?
Quero beber o sangue da vitória com sabor de mel,
Mas, não cuspir o pus da minha piorréia.

Chovia tanto! Que me lavou a alma,
Diluiu as esperanças que eram toscas,
Sobre a idéia ilusória, mas, ainda calma,
Deixando as tais verdades, ao sabor das moscas.

Vertia lágrimas nos meus copiosos prantos,
Que ninguém viu ou percebeu as dores.
Tal qual a chuva, eu chorei a cântaros,
Pelas ilusões vencidas, dos meus dois amores.

Amores ancestrais, sublimes, inocentes,
Que me vendo, agora, chorariam mais,
Pois tendo o próprio filho entre os indigentes,
É bem maior que o cântaro, a dor dos pais.



sábado, 19 de novembro de 2011

NÃO ESTAR !




Estar num local, ausente,
Ir ao futuro, agora,
No passado, estar presente,
Chegar cedo, na demora.

Ir sem sequer sair,
Voltar antes de ter ido,
Verdades não possuir,
Destruir o construído.

Erigir sem começar,
Somente o desnecessário,
Sem ter uma cruz à mão
E crava-la no calvário.

Estar em lugar algum,
Mas com seu corpo presente,
Curtindo dos sonhos um,
Onde o enredo está ausente.

Vivendo um só pesadelo,
De alguém que jamais dormiu,
Mas com orgulho de tê-lo,
Sabendo que já partiu.

Conhecer ao que não viu
E saber o que não leu,
É chegar quando partiu
E a esperança diluiu.

Amar sem se ter o amor,
Com saudades de mentira,
É sofrimento sem dor,
É raiva que não tem ira.

Presença de quem partiu,
É fuga do sentimento,
A alma sequer sentiu,
Tristeza num só momento.

Importante é não estar,
Se não pode ser eterno,
Não se permitir levar,
Para o fogo do inferno.
Se, estiver presente, ausente,
Sem estar junto dos teus,
Por vontade onipotente,
Já estás junto de Deus.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O TEMPO PASSA EM CADA VERSO DO POEMA


 

O tempo passa em cada verso do poema,
Enquanto crio nas imagens emoção,
Porque não posso expressar dentro do tema,
Insegurança nem sequer uma ilusão,
Pois sou poeta da verdade, pura, extrema,
E só libero o interior do coração.

Sinto, as palavras escorrerem, em minhas veias,
Usando o tempo que na vida eu vou gastar,
Para arrumá-las nos meus versos, suas teias,
E conseguir aos meus leitores segurar,
Pra que as horas ao passarem fiquem cheias
De esperanças e de amor. Para alegrar!

É nesta busca prazerosa e até frenética,
Que vou somando cada verso do poema,
Também cuidando do perfil e da estética,
Pra não criar no meu leitor mais um dilema,
Mas sim lhe dar uma leitura que patética,
Desperte a alma no esplendor de nova cena.

Talvez consiga, enquanto o tempo me envelhece,
A experiência necessária e o saber,
Suficientes pra ofertar a quem merece,
A singeleza de uma aurora, o alvorecer,
Ou mesmo a noite escura, eterna, a quem padece,
Na paz sublime, sem temor, ao fenecer.

Assim persisto na procura de razões,
Entre as palavras, versos, textos, poesias,
Que justifiquem nos momentos, emoções,
De alegria, pranto, risos, nostalgias,
Os sentimentos que desgastam corações,
E chegam ao auge terminando nossos dias.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A CALÇA PRETA


 Condorcet Aranha

       Apesar de contar com apenas oito anos, aquele menino era muito esperto e prestava atenção em pequenos detalhes. Gostava de acompanhar o avô a todos os lugares em que ia. Apesar de não se encontrarem muitas vezes, devido aos deveres escolares e os horários de aula, nos períodos de férias, aproveitavam ao máximo essa convivência.
       Uma das coisas que o menino Pablo mais gostava era acompanhar o avô em suas caminhadas matinais. Nesses passeios, o menino fazia uma verdadeira inquisição ao avô que, com sua experiência e paciência, respondia a cada pergunta, condimentando-as sabiamente com o tempero místico, levando o pensamento criativo do neto ao cume da curiosidade, e mais, improvisava novas histórias cuja argúcia e desenrolar eram moldados às expressões de indignação que Pablo deixava transparecer. Assim, acabava por deixar o neto perdido nos meandros da própria imaginação.
       Durante um período de estada na casa do avô, nas férias de julho, numa manhã muito fria, ao vê-lo arrumado, perguntou-lhe:
     -     Aonde vai, “vô” Wagner?
-          Vou “esticar as canelas”, “paquerar as mina” e “tomar uns goles” para recarregar as “pilhas”.
-          Puxa “ vô”, que confusão, não entendi quase nada.
-          Vamos lá Pablo, preste atenção: o “vô” vai andar a pé por aí, olhar as paisagens e pessoas que estiverem pelas ruas e depois beber um pouco de água para repor as energias.
-          Então, posso ir com o senhor? 
     Apesar de ser tudo que Wagner queria escutar, inteligentemente, respondeu que sim, desde que a cama estivesse arrumada, os  dentes escovados e as bochechas da avó molhadas “de cuspe” (beijadas).
-          Oba!...
    Poucos minutos depois, lá estava o passado e o futuro de mãos dadas, sob um agradável sol de inverno, formando uma imagem pura que diminuía aos olhos da avó parada na porta, enquanto o presente garantia a presença da felicidade.
    Entre tantos assuntos, a curiosidade de Pablo venceu seu constrangimento e perguntou para o avô:
    -     Por que o senhor só veste essa calça preta?
    Deixando um gostoso sorriso aumentar suas rugas, o esperto Wagner chegou próximo ao ouvido do neto e cochichou:
    -    Olha, ninguém pode saber o que estou lhe contando. Essa calça tem superpoderes, é mágica, por isso, agora, teremos que “selar” um compromisso e você fará um juramento de jamais contar esse nosso segredo. Se cumpri-lo, quando eu morrer você ficará com a “calça preta” de herança. Você quer?
-          Claro “vô”, como vamos “selar” esse compromisso?
-          É um ritual que teremos que cumprir. Vamos dar três voltas na praça, depois temos que pegar um ramo de hortelã e colocar dentro de um doce de leite partido ao meio. Aí, voltamos a dividi-lo, fechamos os olhos e cada um de nós pega uma parte, a que você pegar entrega para que eu coma e, a que eu pegar, você comerá. A seguir, ainda com as mãos sujas de doce de leite, faremos um cumprimento e diremos:
-          “Pelos poderes da calça preta, o nosso segredo”.  Combinado?
-          Combinado.
     A partir daquele dia, Pablo nunca mais estranhou o avô com a tal da calça preta, muito pelo contrário, quando ele ia trocar o pijama para sair, o neto com o polegar da mão direita levantado, piscava o olho e dizia:
     -     Vá arrumar-se “vô”!
Durante algumas caminhadas com o neto, Wagner  teve que improvisar  façanhas  de
superpoderes, para dar credibilidade à calça preta.
Em uma das vezes, ele pegou, dobrou e colou com um pedaço de fita adesiva, uma nota de R$ 5,00 nas costas da mão. Depois perguntou para o neto se queria tomar um
suco de frutas geladinho. Era uma manhã de sol quente, o menino aceitou na hora.  
     Logo em seguida, pôs a mão na cabeça e disse:
     -     Xi! Esqueci todo o dinheiro em casa...
-          Caramba “vô”! Viu só! Lá, se foi o suco gelado...
-          Nada disso Pablo, estou com a calça preta. Primeiro verifique se não tem mesmo nenhum dinheiro nos meus bolsos.
-          Nada “vô”... Nadinha... Está mais duro que “cabeça de português”.          
-          Tudo bem, darei um jeito nisso.
    Com as palmas das mãos voltadas para cima, Wagner colocou-as, cuidadosamente, nos bolsos e ficou esfregando-as contra o tecido para soltar o dinheiro, enquanto falava:
     -    “se nós merecemos o suco, calça preta, a nossa vontade faça”. Retirou as mãos dos bolsos e pediu ao neto que verificasse novamente os seus bolsos.  
     Ao encontrar a nota de cinco reais no bolso da calça, o menino deslumbrou-se, começou a rir, abraçou o avô e disse:
     -     Olha “vô” agora sim, acredito que sua calça é mágica. É demais...
-     Porém, se você contar o segredo a uma só pessoa, tudo estará acabado.
-          Nunca contarei o segredo. Nosso compromisso está “selado”, “vô”.
Noutra ocasião, quando eles passeavam por uma praça muito bonita, um cachorro
escapou das mãos de sua dona e enveredou furiosamente contra o menino. Wagner, sempre atento e muito cuidadoso, colocou-se à frente do neto protegendo-o e empurrando o animal com um dos pés. Embora sendo de médio porte, o cachorro, bastante bravo, conseguiu morder por duas vezes a perna de Wagner.
-          Nossa “vô” que cachorro bravo, fiquei com o maior medo.
Pedindo muitas desculpas e colocando-se à disposição de Wagner para ajudá-lo, caso
houvesse necessidade, a dona do cachorro estava constrangida. Mas, prontamente, Wagner desculpou a senhora e tranqüilizou-a ao afirmar que nada houvera de inconveniente. Despediram-se e seguiram os seus caminhos.
     Pablo estava matutando e bastante intrigado com o fato. Se o cachorro havia mordido a perna de seu avô por duas vezes, por que ele não esboçou nem uma cara feia e ainda disse à dona do animal que estava tudo bem?
     Pouco adiante, Wagner convidou o neto para entrarem na padaria. Pediu ao balconista quatro pãezinhos e dois litros de leite. Enquanto era servido solicitou ao neto que o aguardasse porque iria ao banheiro, “tirar uma água do joelho” (urinar). Logo voltou, pagou a compra e retirou-se com o neto, que já se apoderara da sacola com o leite e os pãezinhos.
     Chegando em casa, chamou a avó e entregou-lhe a sacola com as compras. Com muito cuidado, o menino perguntou ao seu avô se não estava machucado. Como resposta teve uma grande gargalhada. A seguir, o avô levantou a barra da calça e mostrou a perna.
      Pablo ficou indignado, pois além das grossas varizes da perna do “vô”, nenhum arranhão ou mesmo sinal ele viu.
     Wagner em seguida completou:
      -     Pablo; você esqueceu dos superpoderes da calça preta?
      -     Nossa “vô”! Não sabia que ela fazia tanta coisa assim...
     Após quatro anos, numa manhã muito chuvosa, Wagner não quis mais acordar. A consternação tomou conta da família.
      Sorrateiramente, o menino foi até o quarto do avô, apoderou-se da calça preta e escondeu-a em sua mochila.
      Durante o velório, ao aproximar-se do corpo do avô, Pablo percebeu que uma de suas pernas estava muito grossa, levantou um pouco a sua calça e viu que aquela perna estava enfaixada com muitas gazes. Como a perna mordida pelo cachorro, o menino ficou muito intrigado. Será que foi devido às mordidas do cachorro?
      Quando voltou para sua casa, a primeira coisa que fez, foi esconder a calça preta debaixo do seu colchão.
      Na amanhã seguinte, sem que ninguém o visse, colocou a calça numa velha caixa de plástico e enterrou-a no quintal, próximo ao limoeiro.
      Alguns dias depois, sua tia e sua avó, estiveram procurando a bendita calça, mas acabaram por desistir tendo em vista que ela era muito velha... Porém, numa coisa elas concordavam: “a calça preta sumira como num passe de mágica”. Além do mais o que poderia ter de valor em seus bolsos se Wagner era um simples aposentado do serviço público?
      Fiel ao compromisso “selado” com o avô, durante muitos anos, Pablo sequer mencionou um fato relacionado com a “calça mágica” a quem quer que fosse. Para ele, aquelas passagens tão felizes de sua infância deviam ser guardadas com exclusividade para serem contadas ao seu filho que, aliás, acabara de nascer. Com vinte e nove anos, publicitário por formação e bem casado, Pablo vivia, confortavelmente, já que a sorte lhe sorrira prematuramente, através e um bilhete da loteria federal.
      Certo dia, ao visitar sua mãe, enquanto ela se distraia com as gracinhas do neto “Vaguinho” , xará do bisavô, Pablo foi até o quintal e resolveu conferir se a caixa com a calça preta que havia enterrado próximo ao limoeiro, ainda estava lá. Para sua surpresa, tudo estava do mesmo jeito. Abriu a caixa com cuidado, retirou a “calça mágica”, colocou-a num saco de papel sem que alguém percebesse, guardou em sua sacola junto às roupas do filho.
      Ao voltar para casa, Pablo escondeu o saco com a calça preta em cima do guarda roupas. Afinal de contas, o que poderiam pensar dele com aquelas atitudes infantis? Porém, na primeira oportunidade em que ficou sozinho em casa, pegou a calça do avô e resolveu lavá-la para guardar entre as suas lembranças e, além do mais, serviria como uma prova concreta das histórias que contaria ao Vaguinho.
   Na lavanderia, antes de colocar a calça para lavar, mais por força do hábito, conferiu seus bolsos e surpreendeu-se ao encontrar ali uma carta. Colocou a calça na máquina de lavar e depois de ligá-la foi sentar-se na soleira da porta.
      Acomodado, retirou a carta do envelope e pôs-se a ler: “Pablo, se por acaso você lembrar da “calça mágica” e guardá-la, certamente, encontrará essa carta que hoje estou escrevendo. Lembra do dia em que o cachorro me mordeu? Pois é, eu sempre tive muitas varizes e por isso enrolava muita gaze na perna, por isso não fui machucado e aí, quando entrei na padaria com você e fui ao banheiro, espertamente, retirei toda a gaze da perna porque sabia que você me questionaria. Olha, após saber do médico que partirei amanhã e não poderei mais vê-lo, estou me despedindo de você... Deve ser assim. São forças contra as quais não podemos lutar e, a bem da verdade, nem queremos. Quando essas forças nos alcançam, sentimos uma sensação de conforto e paz tão boas que apenas nos entregamos. É como a brisa suave e refrescante que nos acaricia, enquanto uma melodia sublime nos envolve diante de cenas alegres do passado que antecedem outras cenas do futuro. A seguir, apenas dormimos com a certeza de que jamais teremos que olhar no espelho aquela cara toda enrugada, a boca murcha e ainda ter que fazer tanto esforço para dar apenas alguns passos. Bom! Chega de balelas. Parto muito feliz por saber que serás um homem honesto e vitorioso. Deixo-lhe um enigma numérico (08512) que um dia certamente decifrarás. Depois disso, a calça preta perderá a sua magia. Certo! Adeus, Pablo”.
      Extasiado diante do enigma, Pablo empalideceu, sentiu um forte tremor lhe percorrer o corpo e jogou a carta no chão. O enigma numérico era exatamente o número do bilhete com o qual ganhou o primeiro prêmio da loteria.
      Refeito do impacto correu até a máquina de lavar, desligou-a e ao abri-la só encontrou um grosso caldo preto e alguns botões. A calça estava tão podre que desmanchou.Voltou, rapidamente, até a área para pegar a carta, mas Rex, o seu cachorro, acabava de mastigar suas últimas migalhas.
      E agora? Pensou. O que me restou de concreto para mostrar ao Vaguinho para comprovar que as histórias que lhe contarei são reais?