quarta-feira, 26 de junho de 2013

BRASILEIRINHOS

São filhos da terra e vivem mui mal,

Com mãos sofredoras, até retalhadas, 
Grosseiras, sangrando, por fibras malvadas, 
As fibras das folhas, do duro sisal.


Os corpos cobertos por parcos retalhos,
A pele tão rude em corpos, crianças,
Nos braços feridas cobertas com trapos,
Na mente, será? Carregam esperanças?

O sonho da escola? Promessas, mentiras,
Que embalam seus sonhos, em noite fantasma,
No agito da alma, entre crenças conflitas,
Rompe-se às vezes, na crise de asma.

Direitos humanos que enlevam assassinos,
Se prendem na mídia, se vangloriando,
Não vêem os apelos de tantos meninos,
Escondem com farsas, verdade ocultando.

Meninos que acordam aos raios de sol,
Que mal se alimentam e vão trabalhar,
Com carga nas costas, tal qual caracol,
Meninos que dormem à luz do luar.

Na ida e na volta, somente ilusões,
Durante a jornada?  Bastante pressão.
Calados ruminam em seus corações,
A ira e o repúdio à voz do patrão.

O físico e a mente são fracos, sofridos,
O corpo cansado lhes vence a razão,
Não têm respaldo pra serem unidos
E assim são curvados, às leis do patrão.

Seus pais semivivos da situação,
Semicorpos vencidos a serem punidos,
Desprezíveis atores da escravidão,
Tiveram a alma e o corpo ungidos.


No abandono das leis e de seus governantes,
Alheios ao mundo, ao amor e aos carinhos,
Seguem os meninos em trilhas errantes,
Meu Deus! Por favor, salve os brasileirinhos.

segunda-feira, 3 de junho de 2013




      Apesar de seus oitenta anos e viver sozinho, jamais alguém viu nos seus olhos ou mesmo na face algum traço de tristeza. Um exemplo para os seguidores da vida, pois nunca deixou de expor um sorriso ou abandonou, um dia sequer, o seu violão. Ainda com dedos ágeis, as melodias eram exemplarmente executadas e acompanhadas por sua rouca e suave voz.
     Ao cair da tarde, debaixo da enorme figueira-branca, sentado numa velha cadeira, com os dois primeiros botões da camisa desabotoados para melhor aproveitar os sopros da brisa, expunha parte de seu peito magro e, com um dos pés, fazia a marcação dos compassos, cantava e tocava o seu violão. Talvez pelos acordes do seu violão, a figueira ficava repleta de pássaros que cantavam juntos, como se a natureza os convidasse para comporem uma orquestra.
    Debaixo do surrado chapéu de palha, muitas vezes coroado por dejetos dos pássaros, dois olhos fundos, um resto de cabelos brancos e muitas rugas, pareciam acompanhar, assim como o tempo, a cada melodia, saída daqueles lábios finos e franzidos. As mãos encarquilhadas, uma deslizava pelo braço do violão formando acordes melodiosos e a outra dedilhava carinhosamente desde a prima até o bordão. A alegria fazia morada naquele rosto, cansado sim, mas jamais abatido por lembranças do passado ou frustrado pelas ilusões futuras. Era a certeza daquele que sabe viver um dia de cada vez, aonde o presente é o único tempo verbal a ser conjugado.
    Quando a noite insensível tentava apagar aquela linda e harmônica cena, Zé levantava da sua cadeira e se recolhia em sua modesta morada, enquanto os pássaros saiam em revoada em busca de abrigo para passarem a noite. Trancava a porta e deixava a janela aberta. Assim, mal despontava uma nova manhã, lá estavam os pássaros no para-peito da janela do Zé estourando os pulmões de cantar para que ele levantasse e fosse cuidar de sua pequena horta de onde tirava parte de seu sustento, como cuidar do galinheiro onde um galo e seis galinhas caipiras já o aguardavam. Todos ansiosos, sendo que uma delas era mantida no choco e merecia cuidados especiais para renovar o seu galinheiro e sua fonte de proteína.
     Depois de limpar sua horta, retirando as folhas atacadas por lagartas e outros parasitas, colhia duas espigas de milho debulhava-as e com o resto de comida do dia anterior alimentava o galo e as seis galinhas. Quando fora do ciclo do milho, a goiabeira e as bananeiras supriam todas as suas necessidades. Um único pé de laranja ocupou o último espaço do pequeno terreno e onde uma cabra ficava amarrada. Era uma vida simples, mas saudável, porém como ele comia arroz e feijão todos os dias? Era uma incógnita, diziam os vizinhos que só entendiam como ele fazia o pão de milho. Pois, o Zé nunca saiu de sua casa para lugar nenhum, viam-no apenas nas tardes sem chuva, sentado naquela cadeira tocando o seu violão, enquanto o galo e as galinhas ciscavam e comiam os matinhos e possíveis minhocas, acompanhados pelo estardalhaço de centenas de pássaros que se alternavam nos galhos da figueira-branca.
     A cada pessoa que passava em frente ao seu portão e lhe cumprimentava, ele respondia com um aceno abaixando a sua cabeça, um ritual repetido muitas vezes, mas nunca interrompendo a música que executava no velho violão, algumas pessoas até paravam por alguns minutos, não sabia o Zé se era para escutarem o seu violão ou a cantoria dos pássaros. Porém para ele, esse fato não fazia a menor diferença, era uma agradável satisfação.
     Anos correram como suas galinhas no pequeno quintal, alfaces e couves se renovavam, mas o Zé mantinha seus hábitos e seu repertório, inclusive o velho chapéu de palha que estava cada vez mais bordado pelos dejetos dos pássaros, a bem da verdade ele nunca o havia limpado. Suas trocas de roupa não passavam de três camisas e três calças, um par chinelos e o chapéu de palha. Nunca recebeu visitas, e todos se perguntavam, qual seria a verdadeira razão daquela vida solitária, não teria filhos ou parentes?
     Algumas pessoas chegaram a chamá-lo no portão para bater um papinho, mas não ficaram mais que uns poucos minutos porque o Zé era evasivo em suas respostas. Não deixava escapar nada que pudesse identificá-lo ou expressar seus sentimentos e certa vez quando um dos vizinhos tentava tirar alguma verdade do peito do Zé perguntando-lhe se ele vivia apenas com Deus, prontamente respondeu que não, que vivia sozinho mesmo. Com o tempo todos entenderam que ele respondia apenas os cumprimentos, nunca interrogatórios e se adaptaram àquela realidade.

     Depois de três dias sem verem o Zé tocando o violão debaixo da figueira-branca, alguns vizinhos resolveram chamar pelo Zé, como não respondia, acharam melhor entrar e ver o que estava acontecendo. No quarto encontraram-no deitado na cama, totalmente coberto de penas de pássaros, exceto o rosto estampado por um último sorriso. Ao lado da cama estavam dois montes de grãos: um de arroz e outro de feijões, e no seu bolso uma folha de caderno dobrada. Curiosos, resolveram ver se havia algum escrito, havia sim, praticamente a expressão da verdade vivida pelo Zé. Dizia ele: Acredito que nasci pela vontade, amor e atitude dos meus pais; vivi por minha determinação e escolhi o que achava melhor para mim; amei e fui amado por quem escolhi e agora terminou o meu ciclo e parti feliz. Caso contrário partiria triste e culpando alguém que fechou meus olhos, cegando-me, e também tampou os meus ouvidos deixando-me surdo. Fiquem com Deus que parto comigo.