quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ACADEMIA DE ARTES, CIÊNCIAS E LETRAS CASTRO ALVES: Convida


A ACADEMIA DE ARTES, CIÊNCIAS E LETRAS CASTRO ALVES,

convida V. Sa. e Digníssima Família para a Solenidade de Posse dos Escritores:

SRTA. LUDMILA XAVIER SILVEIRA DIAS, Cadeira Nº 15, Patronesse: Dalva de Oliveira; SR. JUAREZ ESPÍNDULA, Cadeira Nº 16, Patrono: João Simões Lopes Neto, como MEMBROS ACADÊMICOS EFETIVOS, e SRA. SÔNIA MARIA DITZEL MARTELO, Ponta Grossa/PR, Cadeira Nº 19, Patrono: Condorcet Aranha; SRA. SOCORRO LIMA DANTAS, Recife/PE, Cadeira Nº. 20, Patrono: Eduardo Gaspar da Costa Guimarães; SRA. MARIA EFIGÊNIA COUTINHO, Balneário Camboriú/SC, PATRONO: LUIZ CARLOS BARBOSA LESSA, Cadeira Nº 21; SRA. MARIA LUISA MOURÃO, Caucaia/CE, Patrono: Cyro dos Santos Martins, Cadeira Nº 22, como MEMBROS ACADÊMICOS CORRESPONDENTES.

Alba Pires Ferreira
Presidente

Ilda Maria Costa Brasil
Secretária

Data: 03 de setembro de 2011
Hora: 15 horas.
Local: Plenário Ana Terra, da Câmara Municipal de Porto Alegre/RS/Brasil, Avenida Loureiro da Silva, 255.

VIDA DE CIDADÃO



   Condorcet Aranha

Trabalhou por toda a vida,
Em condição muito pobre,
Passou fome, sentiu frio,
Pagando imposto pro nobre.

O sustento de seus filhos,
Foi um sacrifício eterno,
No casamento da filha,
Nem pode vestir um terno.

Foi teimoso e persistente,
No calendário da vida,
Sobreviveu aos percalços,
Pra ver etapas vencidas.

Esse cara endiabrado,
Magistral e corajoso,
É nosso trabalhador,
Que do governo tem nojo.

Ficar velho é desafio,
É vencer a inanição,
Sobreviver sem salário
E o infarto do coração.

No lixo de certas casas,
Vai pro aterro miudeza,
Que em outras, muitas, é certo,
Nunca chegaram à mesa.

Derrotam muitas doenças,
Sem sequer tomar remédios,
Mas não sei se, os caros nobres,
Resistiriam esses tédios.

Quem nunca sentiu, a fome,
Ruminar-lhe na barriga,
Não é exemplo pra nada,
É pó, de uma peça antiga.

Trabalhador nessa terra,
Onde nasci e amo,
Com certeza só se “ferra”,
É um eterno “cigano”.

Sua morada é caixote,
Plástico e terra pisada,
No coração que ele guarda,
Como nós, tem uma amada.

Amada que lhe dá filho,
Tal qual a nossa nos deu.
O nosso? Forte cresceu.
O dele? Apenas sofreu.

Quanta maldade no mundo!
Exclama a sociedade.
Mas quem viveu lá no “fundo”,
Só conheceu a maldade.

Sobreviver em locais,
Onde a pobreza impera,
Quem é forte come mais,
Quem é fraco sempre espera.

Só come quando tem sobra,
Ou quando ninguém mais quer.
É como o trabalhador,
Depois do filho e mulher.

Num chão em que tudo dá,
No espaço que é comum,
Fartura se dê a todos,
E não apenas pra um.

Pequeno grupo de elite,
Que diz administrar,
Que na calada da noite,
O que faz, é nos roubar.

Roubar direitos antigos,
Conquistados sob luta.
Enquanto nossos anseios,
A nos ceder, se refuta.

Invés de elogiar,
Aos funcionários que tem,
Vomita injúrias maldosas,
Que não faz jus a ninguém.

Mas se tiver funcionário,
Que mereça a distinção,
Esconde-se lá no palácio,
Não noutra instituição.
São ministros, senadores,
Mais alguns, seus, seguidores,
Que metem a mão no tesouro,
Exemplos, dos meus senhores.

Não venha com nhem, nhem, nhens,
Chamando-me “caipira”,
Pois quem te escutou lá fora,
Confiança, não inspira.

Subjuga-se ao dinheiro,
Que vem lá do estrangeiro,
Quem for muito interesseiro,
Ou bem pouco brasileiro.

Vencer com o que tem nas mãos,
Distribuindo pra todos,
Demonstra capacidade,
Não é faz de conta; engodos.

Quem filosofa a verdade,
É líder, inteligente,
Não menospreza seu povo,
E agrada a toda gente.

Desenvolver um país,
Para agradar dez por cento,
É deixar sem pingo, os “is”,
Tem cabeça de “cimento”.

Quem pensar apenas pouco,
Tiver na mente esperança,
De um futuro melhor,
Cuidará só da criança.

Com o que lhe sobra à mão,
Atende a sociedade,
Vem a paz no coração,
Some a criminalidade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dr. WILKER



Condorcet Aranha

       Desde criança, aquele menino sonhava em ser médico. Este sonho teve início aos sete anos, quando assistiu na televisão uma cirurgia de transplante de órgãos, mais precisamente de coração. Impressionado com o que vira, não poucas noites, falava, enquanto dormia, sobre os procedimentos que assistira.
       Preocupados, os seus pais consultaram um psicólogo para se orientarem diante daquela situação. Foram informados que duas coisas poderiam ocorrer, ou em mais alguns dias simplesmente estes sonhos terminariam, ou continuariam seguindo o menino enquanto alguma coisa de maior impacto, não desviasse a sua atenção, porém, nos dois casos teriam pouco a fazer. Que melhor seria não deixar de escutar as histórias que ele contasse nem tão pouco incentivá-lo, deixando-o a vontade com suas conjeturas, porque o tempo e seu amadurecimento colocariam os fatos nos devidos lugares.
       Assim, Wagner e Telma, procederam, dando tempo ao tempo e observando seu menino crescer. Enquanto as folhas do calendário eram tiradas e jogadas ao lixo, Wilker continuava a se realizar nos seus sonhos. Primeiro caçava uma lagartixa no muro do quintal, aprisionava-a num vidro; colocava um pequeno chumaço de algodão embebido em éter e tampava o vidro. Tão logo ela ficasse imóvel, anestesiada, retirava-a do vidro, deitava-a sobre uma taboa revestida de fórmica que dizia ser a mesa cirúrgica e, com metade de uma lâmina Gilette, fazia uma incisão em seu tórax, cautelosamente. A seguir, com o auxílio de uma pinça de ponta fina que ele mesmo manufaturou, segurava um dos pulmões da coitada, enquanto com a lâmina cortava e extirpava o órgão. Rapidamente, pegava uma formiga saúva e fazia com que ela picasse o local cortado do brônquio, a seguir arrancava o seu corpo, deixando a cabeça da formiga vedando o brônquio, pois a formiga depois de picar não solta mais. Então, com um pequeno pedaço de esparadrapo, fechava a incisão que havia feito em seu tórax. Quando a lagartixa se recuperava do torpor e começava a se mexer, com muito carinho ele a levava até o muro do quintal e a soltava. Os olhos de Wilker brilhavam, sua expressão era de vitória, de conquista, de missão cumprida. Mas, por outro lado, havia um comportamento sereno, aparentemente insensível, frio e calculista. Aliás, não lembro de ter visto nenhuma dessas lagartixas posteriormente.
        Wilker crescia, os anos se somavam e a adolescência chegou. Seu comportamento era como de qualquer outro adolescente, jogava bola, tinha muitos amigos, namoradinha, era um aluno exemplar e muito querido entre os professores.
       Só que agora ele não usava lagartixas para realização dos seus sonhos, eram ratos brancos que comprava com sua mesada e deixava-os em gaiolas separadas.
       Nos finais de semana sempre convidava dois ou três colegas da escola, para verem a dissecação de um rato e ensinar-lhes a anatomia do animal que estudara e aprendera em livros científicos. Era realmente uma paixão que o deixava radiante e realizado. Os amigos então, curtiam aquelas aulas que serviam como assunto durante toda a semana na escola.
       Seus pais nem mais pensavam no assunto porque não tinham mais como agir, pois se o filho gostava do que fazia, o melhor era respeitar a sua vontade. – Para desespero dos ratos brancos friamente assassinados.
       Poucos anos depois Wilker saía de casa para prestar o concurso vestibular e ingressar na Faculdade de Medicina. Não por acaso, foi o primeiro classificado. Sua vida universitária caracterizou-se por ser um aluno exemplar, de muitos amigos e, inevitavelmente, querido por todos os professores.
       No dia de sua formatura, além das palavras elogiosas dos professores, foi agraciado com a Medalha de Melhor Aluno do Curso e recebeu de seus colegas, um a um, o abraço de todos. Na primeira fila de cadeiras do auditório, estavam seus pais incontidos em suas alegrias e lágrimas; no céu incontáveis estrelas teimavam em, juntamente com a lua, a clarear os caminhos da vida profissional de Wilker, um início de noite maravilhoso.
       Mais tarde, no salão de baile, os formandos, com seus pares, esbanjavam alegria e exibiam suas aptidões em passos cada vez mais atrativos, ao acompanharem o ritmo da valsa, tendo ao fundo as doze badaladas do grande sino da Matriz emprestando, àquele momento, emoção ainda maior. Porém, as festas terminam e a vida segue seu curso.
      Assim, Wilker já estava fazendo residência e se especializando em cirurgia cardiovascular e transplantes. Sua vida profissional fluía celeremente e logo, suas habilidades e sucessos obtidos, o transformaram no famosíssimo Dr. Wilker. Incansável, realizava cirurgias em vários hospitais de diversos Estados; proferia palestras e cursos em muitos Países; seus feitos e dedicação ilustravam as páginas dos mais importantes jornais e revistas do mundo era um homem tomado pelas funções, não tinha tempo para mais nada, inclusive, ao completar seus 54 anos, sequer lembrou de procurar uma companheira. Era sua sina, perseguir a perfeição, alcançar sucesso em todas as suas empreitadas profissionais, desfrutar do linimento oferecido pela atividade que sempre amou. Este era o Dr. Wilker.
       Certa manhã ele foi avisado que deveria atender a um telefonema urgente e precisava atendê-lo, estava em meio a uma cirurgia, deixou o paciente com seus assistentes e foi atender.   -     Dr. Wilker? / -  Sim! / -  É teu irmão./ -  Diga! Wander./ - Nossos pais faleceram..../ - Como foi isso? / - O pai bateu o carro de frente com um caminhão e morreu na hora. A mãe morreu no hospital de um enfarte fulminante ao saber da morte do pai. O enterro será às 10 horas de amanhã aqui no Cemitério da Saudade. / - Meu Deus! Que tragédia...Termino a cirurgia, pego um avião a vou para aí. -  Está bem, até amanhã Wilker.
       Dr. Wilker desligou o telefone, respirou fundo, ficou absorto por alguns segundos e voltou ao centro cirúrgico para terminar a cirurgia.
       Depois tomou um banho, arrumou-se, informou a enfermeira chefe que estaria ausente por dois dias, solicitou que deixassem seus pacientes preparados para seu retorno e seguiu direto para o aeroporto, onde pegou o primeiro voo para sua terra natal.
       Por volta das 7:00 horas da manhã chegou ao necrotério do Cemitério da Saudade, onde seus pais estavam sendo velados. Aproximou-se das urnas funerárias, colocou cada uma de suas mãos sobre as mãos do pai e da mãe, beijou-lhes as faces e enquanto suas lágrimas escorriam por seu rosto, murmurou: “Pai...Mãe...Quantas vezes eu poderia dar-lhes esse beijo; dizer-lhes o quanto eu os amo; se hoje aqui estou diante vocês por que não fiz isso enquanto vocês me escutariam e sentiriam o sabor de meus beijos; cheguei muito tarde para agradecer-lhes tudo o que fizeram por mim, a paciência com minhas peraltices, aceitar que eu sacrificasse as lagartixas e ratos brancos só para não inibirem meus sonhos, apesar de serem totalmente contra a essa prática. Meu Deus! Como pude ser tão ausente nesses últimos quinze anos, tanto tempo para dizer-lhes o que sentia por vocês e não fui capaz de oferecer-lhes alguns momentos de gratidão.
       Consternado, Dr. Wilker assistiu ao enterro de seus pais e quando saia, abraçado ao seu irmão, tropeçou, foi ao chão e desmaiou. Prontamente socorrido foi levado ao Pronto Socorro do Hospital mais próximo, mas a ausência de um médico cardiologista no momento e a intensidade do enfarto que sofrera, levaram-no ao óbito.
       Dr. Wilker, não voltou para suas atividades, ficou ali mesmo em sua terra natal ao lado de seus pais, desta vez para sempre. Seus pacientes que aguardavam seu retorno, foram submetidos às suas cirurgias com outros médicos e com pleno sucesso. Afinal, onde o Dr.Wilker seria mais importante: operando seus pacientes ou roubando-lhes um pouco de tempo para que pudesse dizer, algumas vezes aos seus pais, o quanto os amava? Esta pergunta acompanhou seu irmão Wander pelo resto dos seus dias.

domingo, 14 de agosto de 2011

PAI


Condorcet Aranha

Como falar de alguém que me foi completo,
Desde a minha infância à terceira idade,
De coração enorme, sereno e paracleto,
Com palavras duras em busca da verdade;
Carinhosas enchendo-me o peito que repleto,
Orgulha-se dele a cada instante, apesar da idade.
Não posso esquecê-lo, símbolo discreto,
Sequer consigo, separá-lo da saudade.

Escolheste a mulher e para mim, a mãe perfeita,
Deram-me um irmão, orgulho e gratidão,
Que hoje no Paraíso, ao lado de vocês se deita,
Mas que deixou aqui, no peito, seu próprio coração.
Como lembrar de ti, sem eles, se a saudade espreita,
Separá-los por sentimento ou por ablação,
É impossível desfazer em partes, a tinta branca que foi feita.
 
Sou só a imagem viva desse grande espelho,
A soma de emoções e os amores que perdi,
Representando na minh’alma, deles um parelho,
Agindo com respeito a tudo, como aprendi,
E agora velho, bate-me ao peito, um coração fedelho,
Brincando com meus, filhos, netos, entendi,
Que não existe tempo para ser zarelho.

Sequer eu percebi que tanto tempo vai,
Nem mesmo a distância em que ficou meu pai.
Não posso mais voltar pra lhe pegar a mão;
Dizer-lhe do vazio no meu coração
Ou mesmo preenchê-lo com lembranças loucas,
Que chegam dia a dia e somam com a emoção
Que embora sendo muita, pro vazio...poucas.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CAMINHADA



Condorcet Aranha

Não sei se longa ou curta,
Será minha caminhada,
Se a própria vida me furta,
Levando ao céu ou ao nada.

A caminhada nos cansa,
Nesse mundo desigual,
Enquanto a idade avança,
Nem sei o que é bom ou mau.

Passo a passo, passo o tempo,
Tempo a tempo passo a vida,
Meu caminho é o passatempo,
E a caminhada é vencida.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A PULSEIRA DE PAPEL


Condorcet Aranha
                             
     Glenda acabara de se formar em Biologia, ainda não tinha definido a sua área de atuação, aliás, fato muito comum na atual estrutura do ensino superior do País. Na procura por seu primeiro emprego, ainda insegura, encontrou uma oportunidade, como estagiária, na área do ensino fundamental, junto a uma entidade de apoio a adolescentes carentes, num bairro da periferia. Inexperiente, optou por enfrentar a oportunidade, afinal de contas era preciso iniciar suas atividades profissionais, pois necessitava obter seus próprios ganhos para não sobrecarregar a família, ainda mais que, seus quatro anos universitários haviam sido custeados por uma tia, devido à prematura perda do pai. As circunstâncias e o meio em que se vive são responsáveis pelo conhecimento e aprendizado primário.
     Assim, iniciava-se a carreira de uma professora meiga, dedicada, responsável e extremamente preocupada em dar de si, o melhor possível, em favor dos seus dois filhos de criação e de outras dezenas de filhos que, por dois anos consecutivos, ficavam sob sua orientação nas aulas de ciências, culinária, desenho, trabalhos manuais, higiene e comportamento social, indispensáveis na formação da responsabilidade, consciência de preservação dos recursos naturais e, principalmente, no respeito com os colegas e demais animais que tanto oferecem para a alimentação e qualidade da vida humana.
     Em sua lida diária com esses adolescentes, Glenda enfrentava algumas situações inusitadas em sua vida e, uma das que mais lhe marcou, foi quando das batidas policiais na captura de criminosos e traficantes, invadiam as áreas da periferia e não poucas vezes pondo em risco a segurança e integridade física de pessoas pacíficas e inocentes. Preocupada com a segurança dos adolescentes e, também, para evitar que a curiosidade os fizesse sair de onde estudavam, ou se colocassem nas janelas, rapidamente, as fechava assim como as portas do galpão, gentilmente cedido pela Igreja local para essa finalidade. Desconsiderava o que se passava do lado de fora e, inabalável, continuava a passar seus ensinamentos com a paciência que lhe é peculiar até os dias de hoje.
     Adolescentes chegavam e partiam através dos anos, marcados pela pobreza e maus-tratos devidos ao alcoolismo ou outros vícios de seus pais genéticos ou padrastos e madrastas e com cicatrizes terríveis, resultadas de feridas incuráveis provocadas por estupros concretizados em seus próprios barracos, por aqueles que deveriam, em primeira instância, defende-los e protegê-los. Outros, já traziam em seus dedos a marca do tabagismo; no hálito o desagradável odor do alcoolismo e no peito a revolta, em repúdio às freqüentes agressões físicas sofridas. Meninos e meninas despreparados e vulneráveis à saga da criminalidade que neles encontrava os álibis perfeitos para fugirem ao rigor da lei, iniciando-os, prematuramente, no caminho do inferno. Era nesse emaranhado de situações que a Professora buscava suas forças, paci6encia e, acima de tudo, a razão para continuar sua luta, apesar de saber que, na maioria das vezes, sairia derrotada em suas batalhas. Porém, a certeza de que a cada adolescente que conseguisse emergir daquele caos, seria uma nova esperança, incansavelmente, continuava sua trajetória em busca dos novos destinos.
       Glenda era obstinada em seus propósitos de vida e, dia-a-dia, chovesse ou fizesse sol, caminhava celeremente para aquele galpão da periferia aonde, pacientemente, escutava as revoltadas palavras daqueles meninos e meninas. Apesar de, em muitos casos, sentir o ardor da ira em seu peito e a vontade de massacrar com suas próprias mãos os agressores de suas crianças, continha-se pela razão e ética de sua profissão, encontrando ainda palavras capazes de amenizarem àqueles momentos angustiosos e, tentava, de alguma forma criativa, orientá-los na busca de uma luz ou novo caminho a trilhar, que pudesse contornar tantos e tantos sofrimentos.
       Em cada data comemorativa realizava trabalhos específicos com os seus discípulos, passando-lhes tarefas que pudessem ser efetivadas com materiais recicláveis e sem custos, através dos quais, tivessem contato com outros meninos do bairro e também com seus pais, observando e levantando os problemas mais graves daquela comunidade.
       A idéia foi se implantando naquelas pequenas cabeças sofredoras e, num dia comemorativo aos professores, veio a maior surpresa para Glenda. Suas crianças, como ela fazia questão de chamá-los, ao adentrarem no galpão, cantaram parabéns para ela e, cada uma, após beijá-la, entregava-lhe uma pequena lembrança. Naquele dia não houve as tradicionais tarefas e ensinamentos, mas, certamente, aquela tarde foi coroada por uma das maiores lições de vida porque a paz, o amor, o reconhecimento e a gratidão, chegaram de uma só vez, naqueles pequeninos corações amargurados pelas incertezas de suas vidas. Das lembranças recebidas, entre enfeites de geladeira, adesivos para cadernos e outras miudezas, uma em particular chamou a atenção de Glenda. Num pequeno pedaço de papel estava embrulhada uma pulseira feita de canudinhos de papel colorido, colados e presos numa linha preta. Cuidadosa e atenta com suas crianças, ela precisava mostrar a todos a sua satisfação pelas lembranças recebidas e por isso, a partir daquela data, jamais deixou de usar aquela pulseira. O tempo passa vertiginosamente, meses e anos até que, certo dia, ao deixar o banco onde fora receber o seu salário como aposentada, a professora foi raptada e levada para um cativeiro situado na periferia da cidade. Confinada e recebendo parca alimentação, ali ficou, por mais de três semanas, vigiada permanentemente por dois indivíduos mascarados que, constantemente a intimidavam e ameaçavam de morte.
       A situação agravou-se após perceberem que haviam seqüestrado a pessoa errada, pois a vítima era apenas uma professora. Portanto, financeiramente, uma quase miserável como eles e a maioria dos assalariados deste País que, apesar de indispensáveis ao desenvolvimento, são relegados pelo governo a planos inferiores; deixados à margem dos serviços de saúde e segurança e ainda, quando aposentados, são desrespeitados pelos preceitos sociais e vilipendiados em seus direitos.
       Diante do impasse os seqüestradores resolveram consultar o chefão:
-          Chefe! Sequestramos uma pessoa equivocadamente e agora o que faremos?
-          Caramba, Ratão! Você só me cria problemas... Quem é o “pacote”?
-          É uma professora, respondeu Beiçudo. Queimamos o “arquivo”?
-          Não! Vou lá para ver o “pacote”, depois decido o que fazer com ele.
      Aproximadamente uma hora depois, no cativeiro, aonde Ratão e Beiçudo aguardavam a chegada do “Chefão”, Glenda ouviu um assovio longo seguido por dois curtos. Era a senha anunciando que o Chefão havia chegado. Beiçudo abriu a porta do cativeiro, ele entrou, dirigiu-se ao pequeno quarto, aonde a professora permanecia amarrada à cadeira, parou diante dela, pegou sua mão e disse:
    -    Soltem-na da cadeira e tragam uma refeição decente.
-          Acho que o Chefão enlouqueceu! Disse Ratão.
-          Também me parece, afirmou Beiçudo.
    Porém, no mundo do crime, uma ordem do chefe tem que ser cumprida, mesmo quando parece um absurdo porque se a hierarquia for quebrada, fatalmente lavrará a sentença de morte deste infrator.
      Enquanto Ratão e Beiçudo foram buscar a refeição, o Chefão retirou o seu o capuz e falou:
-          Professora Glenda! Quanto tempo! Que saudades eu tenho daquele galpão... Quase não a reconheci, porém essa pulseirinha de papel que lhe fiz, jamais esqueceria!
-          Meu Deus! Você Henrique! Então foste tu que me deu a pulseira?
-          Foi Professora, na véspera do dia dos professores, quando pedi dois reais ao meu pai para te comprar alguma coisa, ele, como sempre bêbado, além de me insultar, deu-me um forte bofetão na cara. Sem opção tive a idéia de fazer esta pulseirinha, mas com vergonha, misturei com os outros presentes que lhe deram.
-          Pois saiba que, por todos esses anos, eu me perguntava quem de vocês teria sido o autor de tamanha demonstração de carinho, humildade e respeito... O valor das coisas não está no material que as compõem e sim no sentimento com que a oferenda é dada. Na verdade você me surpreendeu porque, das crianças de seu grupo, àquela época, sempre foste o mais arredio e revoltado.
-          Era e ainda sou Professora... Veja no que deu... Hoje sou o “Chefão”, um bandido e criminoso, procurado pela polícia de todo o país e temido até pelos demais bandidos. Também, depois da infância, seviciado pelos meninos maiores; agredido diariamente por um pai bêbado e drogado e sem o carinho de uma mãe, totalmente omissa e subjugada pelo medo, como poderia ser moldada a minha personalidade?
-          Mas porque enveredou pelas trilhas obscuras da criminalidade? Você esteve tão perto do caminho do bem quando me presenteou com esta pulseira de papel! Naquele momento você teve nas mãos as rédeas de um destino sério e honesto, pois no seu coração, estavam os sentimentos de paz, amor, gratidão e reconhecimento.
-          Eu sei Professora. Mas, naquele mesmo dia, ao chegar em casa, presenciei a morte de minha mãe, esfaqueada pelo meu próprio pai. Por isso, nunca mais retornei às suas aulas, não foi de vergonha pelo presente que havia lhe dado e sim por uma enorme revolta que até hoje carrego no peito. É como se eu tivesse um braço a mais e sem conseguir arrancá-lo.
       Nesse instante, um dos vigias do cativeiro chega ofegante e diz:
 -     Sujou, Chefão....A polícia está subindo o morro e vem direto para cá.
-          Diga para todos fugirem pela saída 3, vamos embora. Adeus professora Glenda, reze por mim.
    Depois de haver dado um beijo de despedida na Professora, enquanto empreendiam a fuga, o Chefão falou para o Beiçudo:
    -   Volte lá e elimine o “pacote”.
-          Sem hesitar, Beiçudo retornou rapidamente e quando adentrava ao cativeiro, foi surpreendido pelos policiais e, na troca de tiros, com cinco balas no peito, Beiçudo caiu e despediu-se da vida ali mesmo.
     Resgatada, a Professora bastante abatida pelos maus tratos, foi levada até a delegacia onde prestou seu depoimento, acompanhada por um médico. Suas informações foram suficientes para que a polícia, em pouco tempo, chegasse a todos os integrantes da quadrilha, inclusive ao Henrique.
       Presos, julgados e condenados pelos vários seqüestros e crimes que haviam realizado, teriam que passar o resto de suas vidas atrás das grades.
       Depois de recuperada física e psicologicamente, a Professora foi até o presídio para ver o Chefão ou Henrique, como ela fazia questão de chamá-lo.     
-          Olá Henrique, como está se sentindo?
-          Péssimo, o que a senhora acha?
-          Acho que, com o tempo, esse isolamento fará você raciocinar melhor sobre tudo que passou e aí, certamente começará a reencontrar o verdadeiro sentido da vida. Por isso eu estou aqui hoje, só para te devolver essa simples pulseira de papel. Pois, vivi todos esses anos acreditando que ela fosse alguma coisa maior, tivesse algum significado sentimental e construtivo. Mas não! É e sempre foi apenas uma pulseirinha de papel colorido.
-          Não, Professora! Quando lhe dei esta pulseira, ela representava todo um sentimento puro que eu tinha pela senhora...
-          Eu sei Henrique, porém, todo esse sentimento, há muito tempo atrás havia sumido e agora, como a fumaça, sequer deixou vestígios, no instante em que você ordenou ao Beiçudo: Volte lá e elimine o “pacote”.