sábado, 17 de novembro de 2007

Além da realidade

ALÉM DA REALIDADE


Roberto completara 83 anos, era uma linda tarde de verão, terça-feira, dia 5 de janeiro. Filhos, netos e bisnetos, todos reunidos, numa algazarra capaz de atormentar até aos surdos.
Rosa, sua esposa, aos 81 anos, na cadeira de rodas, com as mãos, saboreava uma fatia de bolo. Óbvio que muitos farelos escapavam de seus dedos e caiam sobre a saia e o tapete da sala.
A farra que todos faziam, própria das pessoas mais jovens e crianças, para Roberto e Rosa pouco importava, porque para eles era apenas uma linda tarde de verão.
Prazerosamente, apesar da proibição médica, Roberto oferecia goles de seu refrigerante para Rosa, escondido dos filhos e netos. Ela, docemente sorria para o marido. Aquela alegria, não poderia ser superada por nada de bom que nesse mundo possa existir. Afinal, a vida com seus intermináveis mistérios acaba por se tornar responsável pela maioria das infrações cometidas pela humanidade em busca do seu significado.
Roberto tinha consciência do ato infrator, porém a quem deveria atender? Como roubar tanta satisfação de sua amada?
Rosa o fitava com seu olhar ofuscado pela doença que impiedosamente lhe roubava até mesmo o direito de falar com o seu conivente parceiro, impedia-a de abraça-lo, devido à paralisia do braço direito e mantinha-a na cadeira de rodas. Com os olhos marejados e o sorriso forçado, Rosa sem palavras, mas com a brandura de um zéfiro ao fim de tarde, com o trêmulo braço esquerdo esgueirou-se entre as limitações impostas pela realidade e, num supremo esforço, com o dedo indicador dissipou as intermitentes lágrimas que, quando em quando, fugiam ao controle dos já fundos, verdes e tristes olhos de Roberto.
Jefferson, o filho mais velho, percebe que o pai está oferecendo refrigerante à sua mãe. Aproxima-se, interpela-o com certa veemência, retira-lhe o copo e com o dedo indicador, faz sinal de não para a mãe. Imediatamente, Jefferson retira-se e retorna para as conversas e brincadeiras.
Roberto pega seu lenço, limpa delicadamente a boca e o rosto de sua amada, beija-lhe a face e com as mãos alinha os seus brancos cabelos.
Marília, uma das netas, pára em frente à cadeira de rodas, olha para a avó e com ar de repulsa diz: “que caca!”, enquanto Rosa, sorrindo, com seu dedo indicador trêmulo tenta alcançá-la para oferecer-lhe mais um carinho, além dos milhares que já tinha lhe proporcionado em seus sete anos de existência. Marília recua rapidamente e sai em disparada. Nos lábios de Rosa, que nada escuta, o sorriso permanece, porém nos fundos olhos de Roberto, novas lágrimas se projetam sobre as rugas de sua face ante a cena que o deixa muito chocado e, novamente o trêmulo dedo indicador de Rosa, que não alcançara a face de Marília, dissipa-lhe as lágrimas carinhosamente.
Afinal, estão comemorando o qüinquagésimo aniversário de casamento de Roberto e Rosa, porém os nubentes pouco participam da festa.
Duas pequenas velas com os pavios já queimados estão sobre o último e grande pedaço de bolo comprado à última hora em uma padaria qualquer para substituir, pela primeira vez, os grandes e maravilhosos bolos de recheio que Rosa, esbanjando alegria, preparava para receber seus filhos, netos e bisnetos, nesta data.
Cenas e mais cenas do passado moíam o coração de Roberto, enquanto, cautelosamente, retirava os farelos de bolo presos à saia de sua amada. Em seu monólogo, já que não era escutado, deixava que as frases escapassem por seus olhos e chegassem aos de Rosa. Então, devidamente decifradas e entendidas, ela pedia com o dedo indicador que ele lhe trouxesse mais refrigerante e bolo, cada vez mais... Prontamente, ele armou um estratagema, dirigiu-se ao Jefferson e disse-lhe que iria dar umas voltas com a cadeira de Rosa no quintal, já que estava calor para que ela se distraísse um pouco. Numa rápida atenção, Jefferson balançou a cabeça em atitude permissiva.
No quintal, Rosa e Roberto comiam bolo e tomavam refrigerante à vontade. Ambos davam deliciosas gargalhadas, indiferentes a tremenda sujeira que faziam.
Passado algum tempo, Jefferson lembrou-se e foi até o quintal aonde deparou com aquela cena até hilariante. Ficou furioso, repreendeu-os e chamou-os de irresponsáveis.
Roberto e Rosa, de mãos dadas, sorriam muito, muito mesmo. Afinal de contas, para eles era apenas uma linda tarde de verão.
Ao anoitecer todos foram embora, mas Jefferson, como sempre o último a se retirar, chamou seu pai e disse-lhe:
- O senhor também está perdendo o juízo? Já não sabe que mamãe não pode tomar refrigerantes e nem comer muito doce? Parece-me que estás completamente fora da realidade!
Com um discreto sorriso, Roberto pôs a mão no ombro do filho e disse-lhe:
- Hoje você ainda não entende certas coisas, mas amanhã, provavelmente, compreenderás que tanto eu como tua mãe, de fato estamos fora da realidade, a bem da verdade, já estamos além da realidade.
Na manhã seguinte, Rosa e Roberto foram encontrados mortos em seu leito. Na mesa de cabeceira, estavam um prato de papelão com farelos de bolo, as duas pequenas velas, uma garrafa de refrigerante, um pequeno vidro de poderoso veneno e uma folha de caderno, onde se lia: “Agora, além da realidade, existindo ou não alguma coisa depois da vida terrena, não nos será permitido esclarecer tal fato porque, sem a dúvida, o ser humano certamente cometerá muito mais desatinos e maldades. Saibam que eu e sua mãe estamos super felizes, porque somos iguais, pois nada escutamos, vemos ou contestamos. Mas... Pedimos desculpas a vocês, filhos, netos e bisnetos, porque terão que limpar o tapete da sala, o quintal e o nosso quarto. Sabem como é, não? Foi nossa última farra! As duas pequenas velas no bolo trouxeram-nos a certeza do fim. Se a de número cinco encheu-nos de orgulho e saudade por lembrarmos de você Jefferson e seus quatro irmãos, a de número zero deixou-nos bem claro o que restava.”

sábado, 10 de novembro de 2007

Sonhos marmóreos e a verdade

SONHOS MARMÓREOS E A VERDADE - poesia – autor: Condorcet Aranha

Sentado na lápide de um sepulcro,
embalado por marmóreos sonhos infantis
ante uma vida que julgava interminável,
até pensei que um destino esplendoroso,
apesar da fome, companheira inseparável,
rasgando o estômago num processo doloroso,
pudesse vir com a herança que não tinha,
de um passado mórbido e implacável,
a ressuscitar na alforria juvenil,
toda angústia de um peito abominável
em que a verdade sorrateira se avizinha
para provar que sendo um objeto com aresta,
estou ferindo inocente a sociedade
por querer participar da vida, essa festa,
que todos têm e almejam com ansiedade,
onde o futuro é somente quem atesta
se fui, diante do escrito por meu passado,
um alfarrábio criminoso e irresponsável,
por ter nascido de um estupro delinqüente,
ou se agora na verdade do presente
sou alguém, como ninguém, que não imundo
aqui na vida, essa herança Onipotente,
como são todos objetos deste mundo.

Em pé, ao lado da lápide de um sepulcro,
sentado na verdade de um adulto
embalo nos meus sonhos de saudade,
junto da fome que ainda sem indulto,
persiste nas lembranças do passado
para entender porque mantendo a lealdade,
agora tenho um coração abandonado
dentro do peito repleto de ilusões,
já no ocaso merencório do destino,
revendo a vida, oferece mil perdões
a tantos quanto lhe induziram ao desatino
ou até julgaram a aparência com maldade,
ante o semblante carrancudo e sofredor
que ainda busca na beleza do presente
colher nos ramos da incerteza o seu amor
e poder cantar, chorar, gritar, também sou gente.
Agora me banhando no futuro,
aonde as águas cristalinas não escondem meu passado,
revivo com certeza as emoções
sentidas lado a lado com as paixões
ciente de que o peito está seguro
convicto de que a solidão,
será a companheira como a fome
doída qual o injúrio das mentiras,
rasgando as mãos de quem as tome
para julgar ou entender um cidadão.

Assim a despedida é mais serena,
a noite se completa em escuridão,
a brisa pelo vale é mais amena
e a lua não renova e sim se esconde.
Os sonhos, as saudades e as lembranças
prescrevem como angústias de crianças,
deixadas sobre a lápide marmórea,
sepulcro inexorável da verdade,
que não refuta o seu filho inconseqüente,
por ter acompanhado a sua história
iniciada num estupro delinqüente.

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(A versão italiana desta poesia ficou entre as dez finalistas do Concurso Internacional de Poesias “Il Giunco”, Itália, obtendo o 5° lugar na votação dos leitores.)

Obteve também o 1º lugar no Premio Internacional de Poesias – Santa Maria della Luce- (Itália) 2007.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

1º Congresso Mundial del Mundo




De 24 a 31 de maio de 2008, na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, será levado a efeito o 1º Congresso Mundial del Mundo onde poetas e escritores de todo mundo estarão presentes num grande congrassamento e em defesa da paz mundial. A força da expressão culta é a única arma que não derrama sangue e sim, inunda a humanidade de amor e compreensão.

domingo, 4 de novembro de 2007

Companheiro? Não meu!

COMPANHEIRO? NÃO MEU!

Condorcet Aranha

À todos solto meus versos:
(“Orgulho é ser brasileiro,
Vergonha é ter como “chefe”,
Esse tal de “companheiro”)

Quanta tristeza me invade
E me gasta a paciência,
Ter por líder um covarde,
Que se esconde na inocência.

Quem não pune o infrator,
Por ser dele um amigo,
É omisso e sem amor,
Põe o Brasil em perigo.

Da cultura é o avesso,
Diz que ler é muito chato,
Quando fala é só tropeço,
Prefiro escutar um pato.

Qué! Qué! Qué! Gostoso ouvir,
Lá no fundo do quintal,
É melhor que o repetir,
De um cara que fala mal.

Desde quando ele fundou
O PT, este balaio,
Fala até de improviso,
Mas, pior que um papagaio.

Portanto faz muitos anos
Que Marco Aurélio Garcia,
Esconde-se atrás dos panos,
Da falsa democracia.

Grande amigo de Fidel,
Hugo Chavez e Allende,
Vai cumprindo o seu papel,
E o “companheiro” defende.

Sendo ele o conselheiro,
De assuntos do exterior,
Vai levando o “companheiro”,
Ao futuro de terror.

Cidadão de consciência,
Não serei mais um omisso,
Esgotou-me a paciência,
E ao País? Meu compromisso.

Do Turismo, esta ministra,
Que goza bem relaxada,
Nem sequer administra,
Aliás, não sabe nada.

O senado que vergonha,
Tem ladrão lá no seu cume,
É mais sujo que a bironha,
Que vive em cima do estrume.

E o molusco cefalópode,
Tudo assiste complacente,
Diz que fazer nada pode,
E abandona sua gente.

Quem brasileiro é, de fato,
Lá do sul até o agreste,
Há de caçar qualquer rato,
Pra se livrar dessa peste.

E o caos da aviação,
Que tanto usou no passado,
Pra cuspir na oposição,
Hoje, está bem piorado.

Mas, ele jura inocência,
De que nada ele sabia,
Teremos nós paciência,
Pra agüentá-lo mais um dia?

Seus parceiros de partido,
Fazendo “rolo” ao seu lado,
Quase nos faz comovido,
Dizer que foi enganado.

Imaginem! Entre parentes
E os companheiros de “luta”,
Desvios ficam patentes,
Quer de verbas ou conduta.

Vocês lembram do Dirceu,
Do Palocci e Genoíno?
O primeiro escafedeu,
Com os demais virou grã-fino.

Presidente do povão,
Usa terno de Armaní?
Quer humilhar seu irmão,
Ou dizer: “Nem percebi!”

Tendo no DOPS dormido,
Apenas por uma noite,
É político perseguido?
Tá merecendo um açoite!

Tem aviões na Embraer,
Que servem à nossa gente,
Mas, pra voar com a mulher,
Comprou um da concorrente.

Tendo perdido um só dedo,
Aposentou...É inválido?
Ou do trabalho tem medo?
Parece negócio esquálido.

Se, o estudo, ele não “topa”,
Porque mandou os herdeiros,
Estudarem na Europa?
Não entendo! “Companheiros”!

Ele é um absurdo,
De vergonha nacional,
Presidente sem estudo,
Gari com fundamental.

Quando eleito Deputado,
Da nossa Federação,
Sequer foi parlamentar.
Por que tamanha omissão?

Como pode aposentar,
Se ainda tem pouca idade?
Cidadão pra não morrer,
Trabalha uma eternidade!

Por que é que seus amigos,
Corruptos comprovados,
Não foram deste partido,
Como outros, expurgados?

Com tanta coisa sombria,
Entre o PT e a FARC,
Será que teremos um dia,
A nossa Joana D’Arc?

Não quero sequer pensar,
Em tamanha humilhação,
Quero sim, me orgulhar,
De viver nesta Nação.

Como pode falar tanto,
Sobre governos passados,
E calar-se, por encanto,
Sobre os seus processados?

Perguntas o povo faz,
Mas nunca obtém resposta.
“Companheiro” és incapaz
Ou tem cabeça de bosta?

A verdade falta agora,
Jamais deixa de chegar,
Por vezes até demora,
Mas vem pra desmascarar.

Portanto, sendo escritor,
Escrevo essa prosa em versos,
Com tristeza e muita dor,
Pelos momentos perversos.

Pois, não serão “companheiros”,
Transitórios no poder,
Que trarão os brasileiros,
No cabresto pra sofrer.

Governantes incapazes,
Corruptos, prepotentes,
Sentirão do povo a mágoa,
E a ira dos descontentes.

A palavra é o alimento
Da cultura e do saber,
Capim sacia o jumento,
Que jura ser chato ler.

Defensor da liberdade,
Darei minha própria vida,
Em defesa da verdade,
Do Brasil, terra querida.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A velha nau

A VELHA NAU

Condorcet Aranha

Se a velhice fosse um infortúnio
E a morte apenas um naufrágio,
Eu não teria hoje esse presságio,
Olhando o céu e vendo o plenilúnio.

Quando o amanhã, já for nosso futuro,
Nas mãos dos jovens viveremos mais,
Pois, como a nau, a navegar no escuro,
Aportaremos em milhões de cais.

Os anos passam, assim, com rapidez,
Nos seca o corpo e enruga a nossa tez,
Mas nos oferta a luz, sabedoria.

Então olhando a lua, linda e cheia,
O mar revolto, a nau não mais receia,
Pois sabe ver, no adeus, só alegria.

Por algumas horas de volta ao passado

POR ALGUMAS HORAS DE VOLTA AO PASSADO


Sem saber como teria acontecido aquele fato, Wesley estava de volta ao passado, exatamente na data em que perdera seu filho e também um de seus maiores amigos, o Victor, que inclusive era padrinho de Wilker. Olha para o calendário afixado na parede da sala e nele está marcado, com um circulo vermelho, o dia dois de janeiro de 1999, quando o terrível acidente houvera ocorrido. Na mesma parede, um pouco acima do calendário o velho relógio, herança de sua mãe, marca precisamente oito horas da manhã. Nesse momento, Wilker passa por ele e diz que vai jogar bola no campo perto do rio. Ele está com nove anos, aliás, os tantos que viveu e também com a mesma roupa de cinco anos atrás. Wesley procura se controlar diante do que está revivendo. Estaria sonhando? Olha o relógio no pulso e confere a data: dia 02 de janeiro de 2004. As roupas que está vestindo são as que comprou há menos de um mês. Vai até a janela, olha para a rua e depois de perguntar a data para algumas pessoas conhecidas conscientiza-se, como seu filho estava lá repetindo palavra por palavra, tudo que havia dito e conforme ocorrera no dia do acidente? Uma nova chance? Poderia mudar o curso dos fatos? Os cinco anos de sofrimento teriam motivado Deus a lhe dar uma nova vida? Wesley confuso e desorientado, perguntava-se: Como agir?
- Finalmente, toma a decisão que, para ele, seria a mais óbvia naquele momento e começa agir de forma a evitar o acidente que levou seu filho e o melhor amigo.
Novamente olha o relógio, são oito e meia da manhã, sabe que Victor chegará as nove e irá encontrar-se com Wilker antes das nove. A bola do menino vai cairá no rio, Victor tentará pegá-la e a correnteza o levará; Victor se jogará nas águas para salvá-lo e também levado pela correnteza. O tempo urge, Wesley está angustiado porque no dia do acidente não estava ao lado do filho, hoje, só ele pode mudar o curso dos fatos. Corre até o campo e desesperadamente chama o filho, Wilker atende prontamente e vem ao seu encontro com a bola debaixo do braço. De mãos dadas voltam para casa e encontram-se com Victor que está chegando. Wilker corre e pula no pescoço do padrinho e antes que conversem, Wesley interfere e diz que precisam ir à missa das dez. Victor concorda e faz o menino vestir uma linda roupa (Wesley nunca mais havia mexido no quarto do filho, mantinha tudo do jeito que estava há cinco anos atrás). Em seguida, na sala, encontram com Wesley e dizem: Vamos?
As nove horas e quarenta minutos saíram. Wesley relembrava a sua felicidade ao lado de Wilma, mãe de Wilker e no seu subconsciente jurava que traria toda essa felicidade de volta se Deus assim o permitisse. Faltam sete minutos para as dez, param na esquina e aguardam no semáforo. Um cachorrinho tenta atravessá-la, um caminhão se aproxima em alta velocidade, Wilker corre para pegá-lo.
- Wesley e Victor tentam evitar, não conseguem.
- O caminhão os atinge.
- O cachorrinho consegue chegar do outro lado da rua.
- Faltam cinco minutos para as dez horas, como ocorrera há cinco anos atrás.
Wesley, Wilker e Victor se encontram com Wilma e como sempre, muito falantes, caminham lado a lado, alegres e sorridentes.
Começa a missa das dez e o reverendo solicita a todos que, em pé, rezem a “Ave Maria” pela passagem de Wesley, a única vítima do acidente que num impulso tentara salvar um cachorrinho.
Deus havia escutado Wesley e por isso devolveu-lhe Wilma, Wilker, Victor e a felicidade.

sábado, 20 de outubro de 2007

A Formiga e a Rosa

A FORMIGA E A ROSA

Na pétala plangente de uma rosa,
Pendente, a linda gota de orvalho,
Registra a imagem torpe, criminosa,
Da fera, uma formiga, no seu galho,
Cortando sua folha, aonde a vida,
Mantém, ainda verde, a esperança,
Da rosa em ser a flor tão preferida,
Enquanto se aproxima uma criança.

Criança que buscava, no jardim,
A flor que levaria à professora,
Qual prova de amor, respeito, enfim.
Mas quando viu na folha, a agressora,
Cortando, a roseira, sua amiga,
Num ato espontâneo, repelente,
Num tapa, derrubou a tal formiga,
Pisando-a, com raiva, fortemente.

Deixou de dar a prova à professora,
Do amor, que tanto a ela, devotava,
Tornando-se, também, uma agressora,
Do crime que agora consumava,
Julgando ter, a rosa, protegido.
Mas, vendo, ali no chão, toda esmagada,
A pobre da formiga, já, sem vida,
Sentiu-se uma flor despedaçada.

Portanto, a natureza e seus mistérios,
Na pétala da rosa ou na formiga,
Diria pra criança, sem critérios,
Das duas qual seria sua amiga?
Não! Diante da roseira, em evidência,
Aonde a bela rosa feneceu,
A criança olhou pro céu, pediu clemência,
Chorou, pegou a terra, emudeceu.

A gota de orvalho foi ao solo,
Desfez-se toda imagem que gravou,
Na terra umedecida fez-se um colo,
Aonde outra semente germinou.
Roseiras, muitas rosas e formigas,
Perfeitas, numa linda convivência,
São todas, na verdade, grande-amigas,
Só tu, criança, foste interferência.

ERA UM TREM, UMA SAUDADE.



Condorcet Aranha

Pelos trilhos da amizade,
Do meu bairro proletário,
Carrego ainda a saudade,
Do tempo que, sem maldade,
Fez-me um velho honorário.

Da via férrea querida,
Maquinista aposentado,
Relembro a imagem perdida,
No dia da despedida,
Do trem, lá abandonado!

Na alma, muito me dói,
Punhaladas da lembrança!
Pois no meu peito corrói,
O coração e destrói,
Todo o sonho de criança!

Mas não faz mal, é um trem!
Preto, velho e abandonado.
Os trilhos novos também,
Nem mais amizade tem!
Então não fico magoado!

Nas estações do destino,
Que tem desvio e cancela!
Sinto não ser mais menino,
Pra cometer desatino!
Ao viajar dentro dela.

Com meus cabelos bem brancos,
Já quase nada me afeta!
Mas meus sorrisos são francos,
Quanto doídos meus prantos,
De um verdadeiro “poeta”!

Foste o trem da lealdade,
Que encheu a vida de graça,
Mostrando que era verdade,
A forte dor da saudade,
De ti, “Maria Fumaça”.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O ESTRANHO MORADOR DA CASA 7

Condorcet Aranha

Tudo se passa numa pequena vila de uma rua sem saída ou servidão, como é denominada em algumas cidades do Brasil. A vila é formada por treze casas, seis de um lado, outras seis do outro e a famosa casa sete, ao fundo fechando a rua.
Devido ao pequeno número de famílias ali residente, o ambiente é fraterno, todos se relacionam muito bem, exceto o estranho morador da casa sete. Solitário, de poucas palavras, quase restringe o seu vocabulário aos termos de cumprimento ou cordialidade. Bom dia!, Boa tarde!, Tudo bem? - Ao menos que me lembre, durante os anos que eu vivi na vila, foi tudo que escutei aquele homem falar. Era uma figura inconfundível, sempre muito bem trajado com ternos escuros, com passadas firmes e seu porte esguio, passava uma imagem de segurança e de dominador.
Para nós meninos da vila, naquela época, companheiros vinte e quatro horas por dia, aquele homem era a imagem inabalável do perigo e transmitia-nos mesmo, a bem da verdade, bastante medo.
Como de costume, ao passar por nós, sempre sisudo, cumprimentava-nos e se dirigia para o ponto de ônibus, da rua principal, tomando o seu destino. Todas as crianças da vila começaram a fazer indagações sobre o estranho comportamento daquele morador. Suas imaginações infantis, ante as conjecturas, iam fantasiando suas desconfianças e criando diversos personagens, com atividades as mais estranhas, para aquele homem de porte esguio e reticente em seu comportamento.
Pela manhã sempre nos reuníamos para praticar nossas peraltices, jogar futebol, além de inventar algumas crueldades, a fim de estragar as brincadeiras das meninas. Como éramos maioria, acabávamos por impor nossas condições e delimitar os espaços que elas poderiam brincar. Sem opção e apesar dos protestos, tinham que aceitar nossas imposições descabidas. Até tentavam nos intimidar, prometendo que iriam falar com o morador da casa sete e pedir-lhe que nos desse uma lição.
Quando se aproximava das oito e meia da manhã, nosso futebol já estava a todo vapor e era o momento em que as meninas começavam a gritar: “lá vem ele, vamos contar pra ele...” . Imediatamente recolhíamos a bola e em disparada íamos nos esconder no corredor da casa 1, onde morava o Paulinho. Nesse intervalo forçado do nosso futebol, na cozinha de Dona Conceição, mãe do Paulinho, sobre a mesa, três jarras de refresco geladinho e preparado com carinho, nos aguardavam.
Onde será que aquele homem esquisito está indo? Perguntávamos. Precisamos descobrir, falava Pedrinho, o mais novinho do grupo. Em seguida Edgard, com doze anos, o mais velho (melhor dizendo o menos criança) , pensando mais longe, tentava convencer-nos de armar um plano para descobrimos que era aquele estranho morador da casa 7 e o que ele fazia. Esse fato repetia-se todos os dias naquele mesmo horário.
Numa bela tarde, reunidos em frente a casa 4 onde morava a Fátima, irmã do Lélio, que sempre tentava nos intimidar com a presença do estranho morador da casa 7, Edgard voltou a expor sua idéia de armar um plano de investigação para acabar de vez com as conjecturas. Em nossas mentes infantis, tudo parecia muito
real. Foi aí que começamos a montar, o quebra-cabeça, engendrar os nossos planos maquiavélicos e infalíveis. Ao menos nos parecia!
Sob a coordenação segura do Edgard, nossas idéias foram selecionadas e organizadas para que, segundo ele, se revestissem de pleno sucesso. Coragem, destreza, sigilo e o compromisso de que se alguém fosse pego não delatar nenhum outro componente do grupo, eram prerrogativas irrefutáveis e mais ainda, uma questão de vida ou morte.
Depois de tudo arquitetado, passou-se a distribuir as tarefas que caberiam a cada
componente do grupo assim como o posto que deveria ocupar. O rigor de cada um na consecução do plano era responsabilidade individual e aos que falhassem, num detalhe sequer, as punições seriam aplicadas imediatamente. Entre as duras punições estavam a expulsão do time de futebol e o “gelo” (ficar sem falar com ninguém do grupo) por três meses.
Ainda nessa reunião, o estranho morador da casa 7 foi apelidado de “Satã”, porque dessa forma ninguém além dos integrantes do grupo, saberia do que ou de quem estávamos falando.
Armado o plano para a manhã do dia seguinte à reunião, a primeira atitude seria escolher quem de nós receberia aquela missão. A escolha, acertadamente recaiu em Alfredo, por ser o mais sossegado e que menos falava ou gritava durante as brincadeiras e o futebol. Com essas características, obviamente a sua ausência não seria percebida pelas meninas.
A missão: Ficar escondido no armazém da esquina e seguir Satã até seu destino inicial.
Anotar tudo que observasse e voltar sorrateiramente em tempo de encontrar-nos na casa de Paulinho, tomar o refresco da Dona Conceição e acompanhar-nos no segundo tempo do futebol, evitando qualquer suspeita das curiosas meninas. Com tudo acertado, inclusive horários combinados como a saída de Alfredo para as sete horas, evitando ser visto pelos moradores, despedimos e fomos dormir. Foi na verdade uma noite de sobressaltos e pesadelos, mas finalmente um novo dia surgiu.
Como costumeiramente, depois de cumprir as normas de higiene e alimentação, lá estávamos reunidos para mais uma partida de futebol. Alfredo não estava e isso significava que a missão começara. Entre olhares de satisfação e sem nenhuma palavra, iniciamos nosso jogo. Corre que corre...Chuta que chuta... e as meninas, gritaram: “lá vem ele, vamos contar pra ele”. Nesse dia Satã saiu às oito horas e dez minutos, conforme mostrava o relógio da matriz em frente à vila.
Como sempre fazíamos, ao avistar Satã, saímos em disparada e fomos nos esconder no corredor da casa 1. Ali ficamos por alguns minutos até que Alfredo chegasse. Passados uns vinte minutos, Alfredo chegou esbaforido e suado, ainda com a respiração acelerada e disse-nos: “missão cumprida”. A alegria brotou em nossos olhos arregalados e brilhantes, próprio das crianças. Fomos até a cozinha de Dona Conceição e lá estava, infalível, aquela senhora de sempre, amorosa e paciente, servindo-nos em copos, aquele indispensável refrigério. Agradecemos e voltamos para a rua e, antes de continuamos o jogo, combinamos nossa reunião para o período da tarde, após as aulas, o banho e o jantar.
Como não poderia deixar de ser, cada peito abrigava a sua aflição e a vontade de que as horas se passassem em segundos. Mas a natureza é pródiga e no devido momento, deu-se início à nossa combinada reunião.
Como de costume, Edgar conduzia os assuntos com calma, de forma ordenada para ficarem bem entendidos. - Com a palavra o Alfredo! Sem pestanejar Alfredo começou seu relato: Levantei-me cedo, peguei a bola, esvaziei e disse a mamãe que precisava leva-la no sapateiro, porque estava furada e havíamos marcado nosso jogo de futebol para as oito horas. Sem desconfiar de nada, balançou-me a cabeça em movimento de concordância.
Saí de casa após observar que não tinha ninguém na rua e disparei até o armazém da esquina. Tendo ficado ali por algum tempo, o seu José, dono do armazém, perguntou-me: O que estás fazendo por aqui tão cedo, Alfredo? - Respondi-lhe: estou esperando o seu Manoel sapateiro abrir a loja, para concertar a minha bola e enche-la. - Olhando a bola, vazia, em minhas mãos, completou: Então está tudo bem. Era pouco mais de oito e dez, eu já estava no seu Manoel, quando Satã apontou na esquina. Disfarçadamente fui saindo e falei para o seu Manoel que ia comprar umas balas no armazém. Segui Satã por trás das
outras pessoas que transitavam pela rua e observei-o. Foi até o ponto e aguardou uns instantes porque logo chegou um ônibus. Corri até a frente do ônibus para ver a vista ou letreiro. A seguir voltei correndo, para encontrar com os meninos conforme havíamos combinado.
Quando cheguei na casa 1 do Paulinho, todos já estavam lá. Sussurrando disse-lhes: Satã pegou o ônibus da Linha 13 – Centro – Cemitérios.
Perfeito, disse Edgar, a primeira parte de nosso plano está executada. Agora cada um de nós vai buscar informações sobre essa linha de ônibus, por onde passa, até onde vai e por onde volta. - Mas como faremos isso? Indagamos. - Então orientou-nos: Perguntem aos seus pais e guardem os nomes das ruas e bairros, assim poderemos consultar a lista telefônica e verificar o que tem nessas ruas, tais como empresas, indústrias, lojas, bancos, escolas, entre outras coisas. - Realmente o Edgar era um menino muito esperto e organizado. - Assim ficou combinado e, esse seria o segundo passo do plano. Todas as informações obtidas deveriam ser levadas à reunião da tarde do dia seguinte.
Na tarde seguinte, voltamos a nos reunir em frente da casa do Lélio. Edgar demonstrava uma certa apreensão e, sem muitos rodeios, alertou-nos: Vocês precisam usar de mais sutileza quando forem pedir informações aos seus pais, eles não podem desconfiar de nosso plano, senão colocaremos tudo a perder. Quando meu pai chegou e fui perguntar-lhe sobre o ônibus da linha 13, ele disse: Que coincidência, pois acabo de encontrar com o pai do Paulinho e ele me contou que seu filho fez-lhe a mesma pergunta! - De imediato precisei criar uma situação mais favorável e o que veio à minha cabeça foi, no momento, inventar que a Professora havia nos solicitado essa pesquisa para nos orientar sobre como observar e entender aos mapas, catálogos e outros informativos escritos sobre a cidade. Diante da minha resposta, meu pai prontificou-se a buscar o mapa do percurso da Linha 13, na garagem da Empresa, fazendo ainda elogios à Professora, pela ótima idéia de preparar-nos para as necessidades do dia a dia de um cidadão. Durante o jantar ele me deu o mapa do trajeto da Linha 13, este aqui. Agora vamos pegar uma lista telefônica e ver as empresas, indústrias, bancos e lojas dessas ruas, é provável que se consiga localizar o trabalho de Satã. Pedro levantou-se e foi correndo até sua casa para pegar uma Lista Telefônica, trouxe-a e então começamos a marcar o nome das firmas. Percebemos que seria inviável devido ao grande número de firmas em todo o trajeto do ônibus e, mesmo porque, ninguém sabia, na vila, nem nossos pais, o verdadeiro nome de Satã. Então de nada adiantaria telefonar para as empresas porque não saberíamos por quem perguntar. Foi uma decepção geral, pois todos se entreolharam com um ar de indagação.
Edgar foi o único que não se abalou. Disse-nos: Precisamos aperfeiçoar nosso plano, vamos ser mais ousados e melhor estruturar nossas ações sem criar desconfianças. Pensou por instantes e lá veio a bomba. - Um de nós deverá seguir Satã, pegar o mesmo ônibus que ele e segui-lo até que entre no seu local de trabalho.
Depois de muita conversa, chegamos à conclusão que só o Márcio, morador da casa 5, poderia nos ajudar por ser o único que estudava no período da manhã. Precisávamos convence-lo a executar essa tarefa para nós. Foi bastante difícil porque ele teria que se atrasar para chegar na escola. Porém o Edgar preparou-lhe um álibi, caso sua mãe fosse notificada pela escola. Aliás, um álibi perfeito. Naquele dia, ao chegar da escola, Márcio deveria simular estar sentido uma forte dor de barriga, pedindo inclusive um remédio para sua mãe. A mesma mentira deveria contar ao chegar na escola e apresentar-se na sala de aula, justificando seu atraso. Tudo certo, não haveria risco. Bom, só um, depois da tarefa o Márcio ficou uma semana sem ir ao banheiro.
A tarefa de Márcio estava definida. Chegou o tão esperado momento. Naquela manhã,
todas as janelas, da vila, entreabriram bem mais cedo. A curiosidade dos meninos era a de
verificar a saída de Márcio e dar-lhe um sinal de positivo, esticando o dedo polegar. O ritual foi cumprido.
Após o jantar, aconteceu a tão esperada reunião. Nela seria desvendado o mistério de onde Satã trabalhava. Isso ocorreu. Márcio seguiu Satã até ele entrar no Banco da Cidade onde tirou o paletó e sentou-se na mesa da Gerência. Então, Satã era gerente do Banco da Cidade e para descobrir seu nome, seria suficiente perguntar para qualquer outro funcionário
do Banco. - Quando tudo parecia estar esclarecido, Lélio perguntou-nos, alguém de vocês já viu o Satã chegar na vila após o trabalho? - Foi um espanto geral, porque ninguém, jamais havia visto ou presenciado sua volta. Formou-se um burburinho, todos querendo falar ao mesmo tempo. - Edgar interviu e informou-nos que apenas a missão não tinha acabado. Da mesma maneira que checamos os fatos até aqui, precisamos nos organizar e elaborar novos planos. Nada poderá vencer os meninos da vila. Concordam? -Todos de acordo, passamos às novas estratégias para deslindar o restante do mistério.
Na verdade, esta seria a parte mais fácil e por isso a tarefa de aguardar na esquina a chegada de Satã, à tarde, ficou a cargo de Paulinho, o mais novinho de todos.
Depois do jantar, novamente reunidos, aguardávamos a chegada de Paulinho que se atrasara para seu jantar, esperando a volta de Satã. Já passavam alguns minutos das oito horas quando Paulinho apareceu com os olhos avermelhados. Havia levado umas palmadas por ter chegado muito tarde para jantar. Aí contou-nos o inesperado. Apesar de ter ficado até às sete horas e vinte minutos na esquina, não vira Satã chegar. - Como isso é possível? Perguntou Edgard. - Bem, é possível que ele tenha saído para outro lugar, respondeu Paulinho. - É, ponderou Lélio. Ele pode ter uma namorada e ter saído ao encontro dela. - Aceitas as ponderações, ficou estabelecido que cada um deveria, um dia, aguardar a chegada de Satã. - Isso foi feito toda a semana e o estranho fato se repetiu. Satã não voltava, mas todas as manhãs ele saía.
– Enfim, aconteceu o que nós todos temíamos, era um mistério de fato. Estávamos diante do sobrenatural? Quem seria ou o que seria aquele homem?
Novas conjecturas, dúvidas, muita discussão, estávamos outra vez no marco zero da questão. Quem é Satã?
Invariavelmente era Edgar responsável por tirar-nos dessa situação de insegurança e não nos faltou com suas idéias. Arquitetou um plano de alguém aguardar Satã na saída do Banco e segui-lo. - Coube ao Roberto que morava na casa 3, ele estudava piano e tinha aulas as seis horas da tarde. Porém era necessário sair mais cedo, o Banco fechava as quatro e meia e ele teria que estar lá nesse horário. - Mais uma vez o álibi foi montado por Edgar. - Roberto diria a sua mãe que precisava fazer uma pesquisa na Biblioteca Municipal e que, de lá seguiria para a aula de piano. Tudo certo, sem problemas. No dia seguinte Roberto cumpriria sua parte no plano e no outro dia pela manhã, no intervalo do futebol, no corredor da casa de Dona Conceição, daria as informações sobre o acontecido. Despedimo-nos e fomos dormir. Na manhã seguinte, depois do futebol, desejamos boa sorte ao Roberto porque só o veríamos novamente na manhã do outro dia.
Naquela tarde, depois do jantar, voltamos a nos encontrar para o bate-papo costumeiro, antes de dormir. O assunto circulou em torno do trabalho que Roberto deveria estar fazendo como parte do plano. Muitas suposições iam aquecendo cada vez mais nossas desconfianças. Elas acabavam fazendo de Satã uma figura das mais temidas e tenebrosas.
Na manhã seguinte encontramo-nos às oito horas para nossa partida de futebol. A ansiedade fez-nos interromper o jogo antes do costume e rumar para a casa do Paulinho. Logo começamos a indagar do Roberto sobre os acontecimentos da tarde-noite anterior.

Ele estava muito desapontado, porque depois de seguir o Satã, descobriu que após sair do Banco da Cidade, ia direto para uma Escola Noturna naquele mesmo bairro. Portanto não lhe foi possível descobrir mais nada. - Tudo bem, disse-lhe Edgar, sua missão foi cumprida com esmero. Precisamos continuar nossas investigações, mas agora será menos desgastante, apesar de que teremos que perder parte de nosso sono. Vamos organizar uns turnos de vigília para que possamos saber a que horas Satã volta para a casa 7. - Assim foi feito.
Eu deveria ficar no turno de 21 às 23 horas e o Edgar ficaria das 23 h até 1 hora da madrugada. Na primeira noite tudo foi em vão, o Satã não voltou para casa. Porém, se ele dava aulas ou trabalhava na escola, não deveria voltar mais tarde do que 1 hora da madrugada. - Por via das dúvidas, na noite seguinte resolvemos fazer três turnos para evitar qualquer surpresa.
Na manhã seguinte mais problemas, ele não voltara também àquela noite. Cada vez mais crescia o nosso medo. - Seria Satã uma alma penada? - Porque não o víamos chegar em casa? - Era capaz de se fazer invisível? - Muitas coisas foram sendo criadas por nossas mentes infantis.
Pela primeira vez víamos surgir na expressão do Edgar uma sombra de temor. Um receio mesmo. Demonstrava insegurança, não teve resposta pronta, no momento, que pudesse justificar aquela situação. Mas, como bom líder que era, superou aqueles instantes e disse: Agora está na minha vez de encontrar uma solução para o impasse! Pessoalmente seguirei Satã até seu destino final. Os meninos da vila não podem ser vencidos.Mas como Edgar faria isso? Ficamos
apreensivos e pedimos esclarecimentos. - Prontamente passou a nos relatar como pretendia levar à cabo sua dura missão. - Vou dizer aos meus pais que o Felipe, meu colega da escola, convidou-me para ir na sua casa amanhã à noite para assistir uns filmes que ele alugou na locadora. Com o Felipe combinarei para que ligue do seu telefone para minha casa e peça autorização de minha mãe, esclarecendo que alugou esses filmes e como vai terminar muito tarde, que me deixe dormir em sua casa. Acho o plano perfeito, não há de suscitar nenhuma dúvida.
Assim foi executado o plano e Edgar partiu para sua dura jornada na tarde-noite seguinte.
Obviamente ele não esteve conosco no futebol da manhã porque tendo dormido na casa do seu amigo Felipe, chegou por volta das 10 horas da manhã, indo direto para sua casa. - Quando passou por nós fez um sinal de positivo. - Portanto sua missão tinha sido cumprida. Que surpresas nos estariam reservadas? Só após o jantar é que poderíamos conversar a respeito do fato. Foi um dia bastante longo para todos, a ansiedade foi nossa companheira inseparável.
Depois do jantar, o grande momento. Sentamos ao meio fio, como sempre fazíamos, e Edgar começou sua explanação. O espanto estava gravado em sua face, sua voz era trêmula.- Disse-nos: Ao sair da Escola, Satã estava vestindo um avental totalmente branco; em sua mão esquerda carregava uma pasta preta. - Segui-o, voltou três quarteirões e pegou a rua da Saudade, corri até a esquina e escondi-me atrás do poste para observa-lo. Aí aconteceu uma coisa incrível! - Satã chegou em frente ao portão do Cemitério e simplesmente entrou, sem sequer fazer um movimento no sentido de abri-lo. Ele é uma alma do outro mundo. – Trememos de medo com o que Edgar acabara de nos contar, estávamos suando frio e apavorados.
Começamos a fazer uma série de suposições, tais como: De que forma poderia Satã sair de casa todas as manhãs sem nunca voltar de noite? Como entrou no Cemitério sem abrir o portão? Se, todas as manhãs saía da casa 7, sem nada nas mãos, como é que a noite,
após as aulas ia para o Cemitério carregando uma pasta preta na mão esquerda?
Diante de tantas evidências e de seu comportamento estranho, pouco comunicativo, sempre muito sério, veio o nosso veredicto: Satã não é humano como nós, ou é um morto vivo ou se transforma em morcego como o Conde Drácula, antes de voltar para sua casa à noite, é a única forma de passar por nós sem ser percebido. - Desde aquela noite, nunca mais nenhum de nós quis chegar nem perto de Satã. Foi assim que passamos os anos seguintes na vila.
Como tudo aconteceu? - Claro que posso explicar-lhes agora. - O tempo passou e cada um de nós descobriu cada fato que criou todas aquelas circunstâncias.
O Satã, como o chamávamos, além de gerente do Banco da Cidade, era também um conceituado Professor na Escola do Bairro, por isso, sempre tomado de muitas responsabilidades passava por nós sempre pensativo e sério. - Não se relacionava com o pessoal da vila por exclusiva falta de tempo porque trabalhava de dia e de noite. - Se não voltava para casa à noite era porque tinha uma namorada, na casa de quem dormia, por ser mais perto da Escola. - Se, entrava no Cemitério é porque sua namorada, a filha do vigia, morava nos fundos do terreno. Dava a impressão de entrar pelo portão sem abri-lo porque o pai de sua namorada deixava-o semi-aberto para facilitar Satã que vinha com as mãos ocupadas. - Sempre saía da Escola com uma pasta preta na mão esquerda, porque no dia seguinte, sua namorada, que também trabalhava na Escola, levava-a para ele. - Se no dia seguinte saía da casa 7 da vila é porque o quintal de sua casa, fazia divisa com o quintal da casa de sua namorada, por onde passava através de um pequeno portão.
Ficou-nos uma lição, pois, julgar as pessoas apenas pelo que aparentam é, no mínimo, cometer o crime de irresponsabilidade. Irresponsabilidade e injustiça só se justificam e têm cabimento, ante o julgamento das crianças inocentes, como éramos.

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Este conto recebeu Menção Honrosa, obtendo o o 4º lugar no XXIII Jogos Florais do Algarve, Portugal. 2005.

Obteve, também, o 3º lugar no Concurso da Festa Literária de Porto de Galinhas, FLIPORTO 2006.



3º Lugar - Coletânea: Deslizes – Poesias, Contos e Crônicas – Alpas XXI 





sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Grande Sertão: Veredas 2007

GRANDE SERTÃO: VEREDAS 2007

Nesses sertões brasileiros,
Na minha infância querida,
Via tantos boiadeiros,
Pelas estradas da vida.

Passavam bois e boiadas,
Regidas por cavalheiros,
E eu criança intrigada,
(Dizia:):Por quê chamam boiadeiros?

Na minha pura inocência,
No cavalo é cavaleiro,
E achava com consciência:
Quem monta boi: Boiadeiro.

Mas, são coisas do passado,
Que hoje fico a recordar,
Tal qual aquele ditado,
Que consegui me lembrar:

"Lá em cima, daquele morro,
Passa boi, passa boiada,
Passa até o meu avô,
Com a cueca remendada."

Mas volto agora ao presente,
Ao novo "Sertão: Veredas"
Boiadeiro é "inteligente",
E usa blusas de seda.

Veste terno com gravata,
E até preside o Senado,
Nos conta tanta bravata,
E nos deixa envergonhado.

Nesses sertões brasileiros,
Quase não vejo as boiadas,
Vejo o avô, não boiadeiros,
De cuecas remendadas.

Sinto hoje, Rui Barbosa,
Vergonha em ser brasileiro.
Sertão? Guimarães Rosa,
Só tem hoje um boiadeiro.

Podem crer meus co-irmãos,
Desse povo altaneiro,
O sertão está nas mãos,
De bem poucos boiadeiros.

Quem fica a ver as estradas,
Dos sertões tão brasileiros,
Só vêem passar boiadas,
Do senhor Renan Calheiros.

Condorcet Aranha

COMO A FOLHA RESSEQUIDA


Condorcet Aranha

A folha se desprende ressequida,
De um ramo agitado pelo vento,
Esconde em seus contornos, onde atento,
Procuro entre as lembranças nesta vida
A luz que me amenize o sofrimento.

A folha ressequida ao vento voa,
O ramo agitado já nem vejo,
A noite está no meio e me atordoa,
Contornos só me restam no desejo,
Lembranças eu nem busco, chegam à toa,
Enquanto só em sonhos hoje almejo.

A folha ressequida rola ao chão,
O ramo que a soltou, irá quebrar,
A noite está no fim da escuridão,
Insisto em meus contornos encontrar,
Lembranças me abarrotam o coração,
Porquanto o sofrimento vai cessar.

A folha ressequida pelo tempo
E o ramo que agitou, hoje caído,
Na noite que retorna como exemplo,
Capaz de contornar quem distraído,
Perdeu-se nas lembranças de um momento,
Porque seu sofrimento foi vencido.

A folha ressequida foi-se embora,
O ramo lá caído se desmancha,
A noite nem percebo e não demora,
Contornos são perfeitos, não há mancha,
Lembranças não me chegam, estão de fora,
Sofrer foi escoado em avalancha.

Amor? É como a folha ressequida,
Desprende-se do ramo se agitado,
Embrenha-se na noite escurecida,
O belo do contorno é mutilado,
Lembrança, qual punhal, castiga a vida,
Doendo, se não for compartilhado.


CADEIRA DE BALANÇO



Condorcet Aranha

Aqui neste lugar,
No balanço da cadeira,
Sempre vinha descansar,
Onde a vi, na vez, primeira.

Era linda a primavera,
Há muitos anos atrás,
Você a minha quimera,
E eu, um jovem rapaz.

Quanta alegria no peito,
Que tremenda sensação,
Teu olhar meio sem jeito,
Quando peguei tua mão.

Foi por instinto? Talvez!
Quem sabe, por sedução?
Fiquei eterno freguês
Da força do coração.

Sorriso nos lábios finos,
Tanta ternura no olhar,
Muita paz dentro do peito,
Na cadeira a balançar.

Ante eu, tão grande encanto,
Um convite a ser feliz,
Cobriu-me, de paz, um manto,
Apaixonado, me fiz.

Naquele inverno casamos,
Juntamos nossos destinos,
A musa de muitos anos,
Ficou mãe dos meus meninos.

Após um dia de lida,
Ao chegar ao nosso lar,
Na cadeira estava a vida,
Meu amor, a balançar.

Nos invernos, se voltava,
Cansado do meu trabalho,
Na cadeira te encontrava,
Encontrava o agasalho.

Ao chegar, todo em suor,
Nas tardes de primavera,
Tinhas na mão uma flor
E as duas à minha espera.

Mas, na volta derradeira,
Nem podia imaginar,
Ver a vida e esta cadeira,
Vazias, a balançar.

Então, no chão uma flor
E o lenço perfumado,
Diziam adeus ao amor,
Do outro amor acabado.