domingo, 2 de dezembro de 2012

UM NATAL INESQUECÍVEL

                                                      
          Noite de 24 de dezembro de 1945, os traumas da Segunda Grande Guerra, recentemente terminada, estavam se arrefecendo e as famílias voltavam aos seus hábitos normais. A inquietação já não mais existia, pouco a pouco, a alegria ia se estampando em cada rosto. Os sorrisos se multiplicavam, os casos dramáticos vividos nas frentes dos combates, não encontravam mais espaço na imprensa escrita da época. Ao cair da tarde as crianças voltaram a brincar nas calçadas. Os adultos traziam suas cadeiras à frente de suas residências e ali se encontravam, trocando idéias e fazendo comentários, só que o assunto era o futebol e, para as mulheres a moda e os vestidos, sapatos, além dos volumosos penteados. Mas no mundo infantil, o dono da mídia era o Papai Noel, a curiosidade de saber quais os brinquedos pedidos e que seriam trazidos pelo bom velhinho, era o assunto que lhe interessava. Que bom ser criança, poder ter a inocência de dar as suas mãos a qualquer pessoa, sem a preocupação de seus desígnios.
       Já avançava a noite quando nossos pais recolheram-se, junto com suas cadeiras, para dentro de casa. A curiosidade e a ansiedade eram sócias inseparáveis, as batidas dos pequeninos corações aceleravam celeremente, as perguntas mais do que óbvias que eram repetidas em intervalos cada vez menores: a que horas que o Papai Noel chegará?       Poucas horas e minutos intermináveis. Os ponteiros do velho relógio de parede, pareciam estar colados ao mostrador e os segundos batidos pelo badalo, “tic-tac” , “tic-tac”, ainda aguçavam mais a expectativa, a descarga de adrenalina era intermitente e minha mente não descansava, sequer por um único segundo, fabricando barulhos de portas e janelas. Gritava eu: Papai Noel chegou!  Em seguida respondiam meus pais e avós, não! Foi apenas o vento batendo as folhas da janela. Era como uma pedra de gelo colocada na fervura do meu sangue que já circulava a flor da pele. Cada vez que dirigia meu olhar para o velho relógio, lá estava ele, preguiçoso e cada vez mais devagar. Ai eu pedia para o meu avô: dá mais corda no relógio. Sua resposta era uma grande gargalhada.
       Colocada à mesa, a ceia, por sinal, bastante lauta, onde a rabanada e o champanhe eram imprescindíveis, juntamente com as castanhas, nozes e muitas outras guloseimas, heroicamente eu resistia à tentação, tamanha era a minha expectativa. Finalmente vencido pela boca do estômago, sentei-me ao lado da mesa, e minha mãe, como sempre, generosamente serviu-me com a sua costumeira paciência e o que é melhor, carregando nas iguarias que, já sabia de cor, eram de minha preferência. Ah!.. Que saudades daquela imagem à semelhança de santa.
       Concentrado na ceia e sistematicamente olhando para o relógio da parede, nem percebi a ausência de meu pai, por alguns instantes, tempo suficiente para que todos os presentes, fossem, cuidadosamente, colocados ao lado de minha cama. Voltou para a mesa e nem dei pelo fato. Que saudade daquela inocência! Como seria importante, se pudesse mantê-la em meu peito. De repente, sem que eu esperasse, disse minha avó: parece que escutei barulho na porta da rua! Um frio correu minha espinha dorsal. Disse meu avô: será que o Papai Noel chegou? 
      Quase que afirmativamente, minha mãe completou: acho que sim? Nesse momento, faltaram-me o fôlego e a coragem. Senti minhas pernas trêmulas, levantei-me cauteloso e lentamente dirigi-me pelo corredor, ao avistar a porta de meu quarto, ainda fechada, olhei para a bandeira da porta e lá estava ele, sorrindo para mim, aquele rosto de linhas fortes, cabelos longos como a barba e o bigode, todos muito brancos. Sai gritando, de volta para a sala, Papai Noel... Papai Noel ... Eu vi o Papai Noel ... Ah se pudesse ainda hoje, ter toda aquela fé e expectativa, capazes de concretizarem minhas ambições sentimentais. A força interior suficiente para mudar o curso de tantas mazelas e injustiças que ao longo dessa minha vida, tenho tido o dissabor de presenciar! Porque tantos problemas e discordâncias têm que existir entre os homens? Porque tanta violência? Tanta insegurança? Mas não desanimei e, espero que todos vocês façam o mesmo, continuem suas trajetórias, persistam firmes nos seus propósitos decentes e honestos de vida e de convivência, com seus peitos e corações abertos, emanando a expressão mais singela, o amor, porque como eu, naquela noite de 24 de dezembro de 1945, pouco depois de os ponteiros se encontrarem na parte superior do mostrador daquele velho relógio de parede, como minha avó me ensinara, ao adentrar a porta de meu quarto, ainda receoso pelo impacto da presença de Papai Noel, lá estavam todos os meus desejos, satisfeitos e cuidadosamente arranjados ao lado de minha cama. E se lá estavam, tenham certeza, é porque eu fiz por merecê-los, pois a minha vontade de vencer foi tamanha e a honestidade dos meus propósitos tão reais que, a natureza não pode evitar-me e acabou por satisfazer todos os meus anseios. Alcancem também os seus.