sábado, 26 de fevereiro de 2011

EU VI A PAZ



Condorcet Aranha
                                           
Eram muitos, muitos mesmo,
Homens, mulheres, crianças 
Chegados de toda a parte
Numa perfeita união.
Sem inveja nem ciúmes
Era uma grande família,
Que a cada dia crescia.
Crescia sem preconceitos:
Brancos, negros, amarelos,
Poucos ricos muitos pobres;
Até mesmo os miseráveis.
Analfabetos ou cultos
De ignorantes aos sábios,
Indiferente.
Tratados iguais,
Nada importava,
Sem objetivos,
Sem ilusões.
Amor e ódio?
Também não existiam,
Ali imperava a lei do silêncio
Para a comprovação da vida,
Apenas mortos.
Eu vi a paz 
No cemitério.      

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

CHUVAS DE VERÃO



Condorcet Aranha                                                                            
                                 


Chuvas fortes passageiras,
Só molham a face da terra,
São as dores derradeiras,
De quem sua vida encerra.


Martelam os minutos, meu osso externo,
Massacra no peito a vontade de vê-la,
Poder abraça-la de um jeito moderno,
Com as pernas que levam a vontade de tê-la.


A grossa cortina de água que afasta,
Teu corpo do meu e me aguça a vontade,
Não é o bastante, não é o que basta,
Capaz de afogar, meu desejo, a metade.


Que engrosse a cortina e me tente afogar,
Com água a paixão, do meu peito, esfriar,
Com o alicate das horas, fazendo mais força,
Talvez no meu peito a vontade ele torça.


Mas é tanto o ciúme do início e do fim,
Que a angústia carrega em seus terminais,
Que quando se encontram no fundo de mim,
Martelam minutos, no externo, bem mais.


Ficasse a metade, em mim, do desejo,
Seria o bastante pra quando encontra-la,
Pois, nesse momento que tanto eu almejo,
De jeito moderno eu irei abraça-la.


A chuva? Eu aguardo, irá terminar!
Vencida por mim, meu amor e vontade,
Caída na terra, pro vale a escoar,
Só leva ciúme, angústia e saudade.


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 I Concurso Literário dos Contistas, Cronistas e Poetas do Milênio – 2001.
Aracajú, Sergipe.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

LIVRO NA VERSÃO EM FRANCÊS É PREMIADO NA ITÁLIA

L'Enchantement des chants recebe premio no IL CONVIVIO na Itália

Este livro de poesias, "L'Enchantement des chants", Encantos e Desencantos, é o desmascarar da minha existência, o tudo que enfrentei com imenso prazer ou com tremendo desgosto, porém apenas a verdade de uma vida, da qual nem sei se levo saudades ou fico contente ao descartá-la. Afinal, coadjuvar tantas irreverências, compartilhar de uma humanidade controversa, ser um dos atores dessa novela descabida onde o respeito, educação, liberdade e sentimento de amor ao próximo, estiveram, na maior parte do tempo, ausentes enquanto dela participei, provavelmente, se o "Tudo" existir ou se o "Nada" for a maior das verdades, estarei repousando diante do que sempre procurei, a paz.
Por emaranhado nas letras, tento da melhor forma expressar minhas emoções, diante das circunstâncias com as quais convivi e convivo.
Se hoje existo, deve haver uma razão, não sei qual, e acho que todos buscam. Por isso, se nada posso explicar, o mínimo que devo aos futuros leitores é deixar um legado de minha existência que, certamente, lhes oferecerá um parâmetro para comparações com as novas circunstâncias

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

AS MOSCAS


Condorcet Aranha 


       Naquele lago poluído, com muitos resíduos, as moscas passavam horas e horas deleitando-se em ricas refeições. Não sei quantas delas por ali passaram e sequer o que também ali deixaram, além de seus próprios dejetos. Minha única certeza é que nada percebo porque minhas vistas não mais conseguem detectar imagens de pequenas dimensões. Assim é a vida, perdem-se alguns sentidos paulatinamente à medida que moscas nascem e morrem. Ganha-se em experiência, mas se perde em razão conforme nosso organismo se degenera.
       Enquanto as moscas voam em busca de sua sobrevivência, minhas idéias voam para lugares ignorados ou se perdem, sem significado, nas entranhas de um futuro próximo, obscuro e indesejado, porém inevitável. Não pensem que estou me lastimando por este momento! Capaz! Estou até feliz, porque não percebo os dejetos das moscas, mas ainda consigo escutá-las em seus vôos rasantes, indiferentes a minha presença, por estarem convictas de minha incapacidade em molestá-las.
       A bem da verdade devo confessar que outrora, essas moscas, nem me visitavam, porém há alguns anos vêm se tornando minhas companheiras inseparáveis. Ora estão sobrevoando minha cabeça ora estão pousando em minhas mãos ou ainda ficam passeando pelo peito de minha camisa como se fosse um verdadeiro salão de festas.  Às vezes até me pergunto o porquê de tanta afinidade.
       Há alguns anos, quando meus filhos me trouxeram para cá e sempre me visitavam, as moscas praticamente não existiam, eram raras ou então temiam se aproximarem de mim, julgando-me um feroz inimigo. Conforme o tempo foi passando, as moscas se multiplicaram, proporcionalmente à diminuição das visitas dos meus filhos, fato que passou a me intrigar. Vai ver que elas tinham medo era deles e não de mim, já que hoje estão em perfeita harmonia comigo, é porque têm certeza de que não sou aquele animal feroz, o qual poderiam ter julgado naquela época em que cheguei por aqui.
       Duas vezes por dia eu vou até a beira do lago, cautelosamente, retiro minhas velhas dentaduras, evitando espantar demais as minhas companheiras. Eu não consigo ficar com estas “malditas” placas de sorriso artificial dentro da boca durante todo o dia, em contrapartida, também não consigo mastigar os alimentos sem as “benditas”.
       Após as refeições, volto rapidamente, para trocar a água do lago e depositar as “malditas” ou “benditas”, sem lhes retirar os resíduos para que, depois do susto, minhas companheiras retornem à beira do lago e eu possa ficar observando-as e escutando-as com seus vôos rasantes, enquanto estou recostado na cama aguardando o sono para fazer minha sesta.
       Hoje é dia de visitas no “pedaço” e os demais que como eu aqui foram deixados, estão que nem bocós se enfeitando, vestindo as roupas menos piores, enquanto as mulheres ficam passando pós em suas caras encarquilhadas, batons nos beiços murchos e esmalte nas unhas defeituosas e quebradas. Dizem que faz bem a auto-estima e melhora a aparência! Eu “não entro nessa”, fico no quarto escondido com minhas moscas e quase “morro” de dar risadas dos “panacas”.  Sei que a história vai se repetir, que apenas dois ou três deles, há menos tempo por aqui, serão premiados, enquanto a grande maioria terá que “amargar” mais uma decepção e voltar a derramar suas lágrimas, borrando as tais de maquiagens o que é pior, as moscas não gostam desses pós e nem de lágrimas.
       Posso parecer-lhes um derrotista, pessimista, “desmancha prazeres”, seja lá qual for o adjetivo com que desejem me brindar, mas tenho a convicção e certeza de que agora, se tiver que partir rumo ao inevitável, não irei com os olhos marejados e sim com um largo sorriso nos lábios.
      Incrível, acreditem que, nesse momento, uma mosca tentando acasalar, foi com “tanta sede ao pote” que acabou caindo dentro do lago. Foi muito gozado para mim. Não para ela! Ainda bem que sabe voar e consegue flutuar na superfície do lago, senão aquele que seria o seu momento de desprendimento e prazer, tornar-se-ia nessa página da história, mais uma irrefutável vitória do inevitável.
       De repente, um casal de jovens bonitos e bem vestidos, aproximou-se de mim e disse: Olá pai, como vai, tudo bem? Reconheci-os apenas pela voz, respondi. Sim, tudo bem por aqui! Quase não lhes reconheci!
       Eneida disse-me:
     - é assim mesmo pai, com o tempo as vistas vão cansando. Sabe que já estou usando óculos para fazer minhas leituras?
       Enquanto eu os observava, um filme que já havia visto muitas vezes voltou a passar em minha mente. Maria, minha falecida esposa, correndo atrás dos meninos pelo quintal de casa para colocá-los no banho ao fim das tardes de verão... Ivo interrompeu àquela singela e maravilhosa cena e começou a interpelar-me:
    - Por que tu estás com a camisa tão suja, barba e unhas grandes? Não estão te cuidando bem?
    - Não filho! Nem parece que você já me conhece. Não lembra como eu te enchia o saco; reclamava quando não queria fazer alguma coisa e você dizia que não dava mais para conviver comigo? Continuo a mesma coisa, só que com eles eu sou bem mais malcriado e acabam me deixando em paz, como gosto, né? Portanto, é preciso ter paciência com eles, principalmente, com as minhas companheiras, sabe?
       Ivo abriu um sorriso, e sem saber que eu me referia às minhas moscas, falou:
   - Velho danado! Continua dando em cima da “mulherada” ! Esbocei um falso sorriso e percebi que havia controlado a situação, ao menos com ele.
       Aí, Teresinha, uma empregada da casa, chegou no quarto e perguntou-me:
   - Como é seu Reinaldo, está precisando de alguma coisa?
       Eu ia dizer que não, porém, Eneida mais rápida e brusca, mandou que ela fosse limpar meu lago particular, trocar-lhe a água e escovar muito bem as “malditas-benditas”. Fiquei consternado, pois as minhas “companheiras” certamente não gostariam daquilo.
       Ainda em suas atitudes unilaterais, minha filha aparou-me as unhas e trocou minha camisa, enquanto Ivo barbeava-me cautelosamente, evitando irritar-me a pele.
       Quanta “palhaçada”, demagogia, demonstração de nada e por aí afora. Eu pensava.
       Depois, ao se despedirem, beijaram minha face e ofertaram-me três pacotes de biscoitos. Eneida comentou que eu estava bem melhor e Ivo recomendou-me que não desse muito em cima de “minhas companheiras”. Mais uma vez deixei que um falso sorriso os brindasse e acenei-lhes com a mão direita, porque a esquerda estava às costas com os dedos cruzados.
       Voltei ao quarto e recolhi-me nas conjeturas: Como levaram dois anos para me fazer esta visita de que tamanho estariam minhas unhas e barba?; Se me beijaram ao se despedir, por que não me beijaram quando chegaram?; Por que deveria estar cuidado e de roupa limpa se nunca vêm aqui no “pedaço” nos dias de visita ou sequer me levam para dar um passeio de vez em quando?; Se eles ficam preocupados, realmente, comigo porque esquecem até de me telefonar no dia do aniversário? Quer saber de uma coisa? São quase cinco e quinze, vou armar um “esquema”.
     - Teresinhaaaaa, vem aqui?
     - O que foi seu Reinaldo?
- Qual vai ser a sobremesa do jantar?
     - Bolo de laranja com recheio de doce de leite.
     - Você me serve uma fatia bem grande?
     - Está bem, seu Reinaldo.
       Assim foi feito. Após o jantar, coloquei minha generosa fatia de bolo num pratinho de papelão e fui para o quarto. O calor era muito forte naquela tarde-noite de verão. Tanto que o doce de leite escorria pelos lados da fatia de bolo. Eram seis horas e dez minutos, o dia estava claro, o sol, teimosamente, mandava seus raios aquecerem a água do meu lago particular. Tudo estava diferente do dia-a-dia.
       Comi o quanto pude do bolo e depois mergulhei as “malditas-benditas” no lago, ainda bastante untadas dos restos residuais. Afinal de contas, eu queria brindar “minhas companheiras”. O que sobrou da fatia de bolo esfreguei, por várias vezes, no peito da camisa, preparando o “salão de festas”. Recostei na cabeceira da cama como de costume e vi “minhas companheiras” entrando pouco a pouco pela janela. Os zumbidos de seus vôos rasantes aumentaram e elas começaram a disputar os melhores farelos no “salão de festas” como também à beira do lago. 
       De repente, senti uma forte dor em meu peito, olhei na janela e uma verdadeira nuvem de moscas entrava em meu quarto. Era o inevitável que veio buscar-me. Inclusive, porque eu estava barbeado e com as unhas aparadas. Só a camisa tinha sujado propositalmente, mas esta nem precisaria mais usar porque não teria nem corpo. Foi a passagem mais concorrida de que se teve notícia. Nunca ninguém havia conseguido levar tantas “companheiras” em seu enterro.
       Aqui onde estou, sei lá onde é, não se vê nada, nada se sente, acho que é a tal de paz, que viviam buscando lá na vida. Caso seja, tenham certeza que não tem nada de bom porque é insossa, vazia e não tem sequer uma mosca.       


       Este conto obteve o 1° lugar no Premio Internazionale Il Convívio, Castiglione di Sicília, Itália, na Seção Estrangeiros.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

DEBRUÇADO NA CERTEZA DE SER

      
Camponesa
              
 Condorcet Aranha 

Debruçado na certeza do que sou e do que posso,
Faço a meu jeito o que quero por ser jovem,
Nada se acaba, parece eterno, o tudo é meu e nada é nosso.
Sinto em minha alma que sou forte e grande homem,
Imune a sentimentos qual sofrer ou mesmo a dor,
Sem ter no peito angústias porque cheio de esperanças,
Na busca, inconseqüente, de encontrar um grande amor,
Sequer percebo idéias, quase fúteis, de criança.

Ao lado da verdade, nem consigo percebê-la,
Transpasso pelo tempo e, sequer de mim dou conta,
Nesta vida, um breve espaço, que amanhã não vou mais tê-la.
Manhã de um novo sol que pra mim não mais desponta,
Na farsa da amizade do convívio que, sem paz,
Corrompe a minha fé, dura e sinistra companheira,
Que o jugo do destino como um forte capataz,
Mergulha-me com os sonhos, na piscina da bobeira.

Debaixo do castigo de ser velho e experiente,
Gastei todo o meu tempo, com a vida desregrada,
E agora me pergunto: Por quê estou assim contente?
Lembrando de um passado que, ainda hoje, me agrada?
Respondo-me feliz por ter vivido a liberdade,
Sem credos ou limites dos desejos, dessa mente,
Curtindo as ilusões que ao desfrutar, com tal vontade,
Me fazem, despedir, com certeza: Que eu fui gente.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

MENSAGEM AO FILHO

Condorcet Aranha 

Deus - obra de Condorcet Aranha



Filho, a vida é um suceder de dias e incertezas,
Alguns bons, outros ruins, imprevisíveis.
Nuns chegarão tristezas em outros as alegrias,
Importante é ter certeza que todos são perecíveis.

Vive-los como chegarem, te darão experiência,
Que invadirá sua alma no percurso dessa vida,
Virá o discernimento, agirás com consciência,
Palavras virão maduras, sempre que proferidas.

Jamais se deixe levar pelas falsas emoções,
Chegam fácil, te confundem, na hora das decisões,
Vencendo a dor da paixão, teu amor será sincero,
Até gostará da vida, como eu, assim espero.

Não te afastes da verdade, sequer num único instante,
Por perto estão as balelas, vá buscar razões, distante,
As conseqüências dos atos, cobrem os ramos de folhagem,
Mostra, o perfil da planta, da folha seca a viajem.

Folha seca que é rascunho, do diário da existência,
Orgulho terá, ao fim, quem viveu com paciência.
Escute filho e acredite que sofrer você não vai,
Na despedida! Agradeça. É um conselho de pai.

Se algo existir além, da terra em que hoje vivo,
Não há de trazer surpresas, será algo muito antigo,
Ao teu Deus, tu agradeças, esta vida que é só uma,
Pois tristezas e alegrias, tu não levarás nenhuma.
                                                                 
Àqueles que aqui deixares, herdarão o seu legado,
Ruminarão certamente, as dúvidas que levastes,
É uma moto contínua, que deixa o peito engasgado,
O coração apertado, tal qual o que carregastes.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DOCE BOM OU DOCE RUIM?

Poesias, Prosas e Sonetos
Condorcet Aranha


É doce bom o amor
Quando está na dose certa,
Se demais doce for
A garganta nos aperta.

É doce ruim o amor
Quando o seu sabor ressalta,
Se pouco doce ele for
Muito doce ainda falta.

Pra fazer doce o amor
Preciso açúcar e vontade,
Porque doce sem sabor
Não se come nem metade.

Doce bom que leva amor
Como faz o confeiteiro,
É de excelente sabor
E se come o doce inteiro.

Doce bom ou doce ruim,
Escolha o quer fazer,
Mas depois que o der pra mim
Não vá mais se arrepender.

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O CLONE

Condorcet Aranha


Chegou a noite fria,
O negro me envolveu,
Gelou-me toda a alma,
Perdi o que foi teu.

Sem ter o próprio amor,
Chorou meu coração,
Sentindo a forte dor,
Da dura solidão.

Estrelas eu só vejo,
Nas lágrimas brotadas,
Dos olhos, das lembranças,
Das ilusões passadas.

Restando dessa vida,
Da lua, só metade,
Pra ter um novo amor,
Não tenho mais vontade.

Por isso a noite escura,
É mesmo interminável,
E o breu da desventura,
Amigo inseparável.

Sem ter sequer um filho,
Sem fé, sei lá o quê,
A noite não tem brilho,
Sou clone de você.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

MINHA NOITE COM UM GRILO

           Condorcet Aranha                                                                    

         Numa linda manhã de verão, flores teimosas e coloridas, pareciam não querer por fim na primavera. Enormes nesgas de algodão passeavam sem rumo pelo céu azul e, lá daquele azul, uma forte luz se projetava sobre a terra, amarelando-a. A luz também se refletia na superfície do verde mar que, em ondas quase sincronizadas, parecia querer alcançar, por sobre a areia, o intenso e misterioso verde da floresta atlântica.
        Todo esplendor da natureza emoldurava-se, pela capacidade de alcance dos meus olhos que tentavam saltar das órbitas, para ingressar naquela tela, executada pelo mais pródigo dos pintores.
        Impossibilitado de resistir ao esplendor daquele chamamento e automatizado pela força do desejo, caminhei celeremente para o interior da floresta.
       O sol que impiedosamente queimava a minha tez, filtrado pelas irregulares folhagens das frondosas copas de árvores gigantescas, acabou cedendo em seu rigor. A temperatura tornava-se mais agradável.
        Nas sombras dos ramos e nos caules tortuosos ou gigantescos, mamíferos, roedores, répteis e pássaros passeavam ou repousavam, enquanto muitos emitiam sons ou assovios característicos, numa verdadeira sinfonia, substituindo aos rumores intermitentes das ondas do mar, há muito deixado pra trás.
       A cada instante meus pulmões deleitavam-se com maior quantidade de oxigênio e minha mente, juntamente com as pernas, incansavelmente, levavam-me cada vez mais para o interior e conforto que a floresta oferecia, mas inevitavelmente também mais misteriosa.
       As sombras foram se juntando e, rapidamente, como num passe de mágica, ali estava eu, completamente perdido e a poucos minutos de ser envolvido pelo véu da noite. O céu que já não conseguia ver, apenas aparecia por instantes devido aos raios de prata que se faziam seguidos por trovões.
       Todo o conforto e tranqüilidade davam lugar à insegurança, ao temor pelo desconhecido.
       Naqueles instantes de luz, tentava encontrar o caminho de volta, porém a paisagem não tinha mais significado, era tudo igual, escuro, muito escuro.
       Repentinamente um simples som chamou a minha atenção: “cri-cri”... “cri-cri”... “cri”...”cri”..“cri”...”cri”..., É um grilo! Exclamei em voz alta. Era um achado, pois a partir daquele momento, não estava mais sozinho naquela aventura.
       Já sentado sobre um tronco, quase que totalmente apodrecido, vencido pelo cansaço, durante o clarão de um raio, surpreendi o grilo e o aprisionei, dentro de uma pequena caixa de fósforos vazia que, inconscientemente ou por excesso de consciência e não querer deixar detritos na floresta, havia guardado em um dos bolsos de minha calça.
       Agora sim, estava preparado para enfrentar aquela noite que já nos dominava.
       Viu como foi bom? Disse para o grilo. Agora podemos continuar nossa conversa na primeira pessoa do plural e, caso algum imprevisto suprima da cena um de nós, restará o outro como testemunho da veracidade dessa nossa história.
       Rugidos e uivos, uma alcatéia de guarás; barulho no mato sendo pisoteado e rompido por grupos de animais, de diferentes modos de correr, com certeza pelas antas e veados; um típico silvo de cobra; vôos de morcegos que deslocam das copas das árvores; macacos que se alvoroçam quando deveriam estar dormindo; coaxar de sapos; cheiro de gambás nos ramos de árvores próximas; corujas emitindo verdadeiras gargalhadas; saltos de serelepes, de mãos-pelada; curtos grunhidos de cachorros-do-mato; disparadas de jaguatiricas em busca de suas presas; minha insegurança aumenta e  então busquei apoio no meu companheiro, aquele dentro da caixa de fósforos, o grilo, perguntando-lhe: Você está escutando toda essa barulheira e movimentação? - Respondeu-me o grilo: E você está escutando o meu “cri”... “cri”... “cri” ? - Disse-lhe: Eu não! - Completou o grilo: Então você já está fora de sua razão, controle-se e lembre que também faz parte desse ambiente, que é apenas mais um integrante da cena. – Apesar de não me sentir muito convicto, tive que aceitar a colocação do grilo. Voltei a recostar-me e em seguida aquietei-me, vencido pelo insistente sono.
       Com os primeiros raios de sol da manhã, filtrados pelas folhagens, acordei meio atordoado e espantado. Num rápido movimento sentei-me, ainda não refeito da tumultuada noite, levei as mãos ao colo, mas não achei a caixa-de-fósforo, aonde havia guardado o grilo.
      Caramba! Era meu único testemunho! Olhei em torno e percebi, estar à beira da cama.
      Ah! Agora sim, que alívio! Alívio ou desilusão? Tinha que ser um sonho absurdo, obviamente que a nossa mata atlântica não tem mais tudo isso! 
      Lamento e peço-lhes desculpa por aquele grilo nem existir.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O HOMEM, O SAPO E A FLOR

Condorcet Aranha

À beira do lago um sapo,
Ao seu lado está a flor,
Do sapo escuto o coaxar,
Da flor eu sinto o odor.


Do sapo só vejo os olhos,
Da flor a cor nem percebo,
O sol se foi, era tarde,
A noite chegou, bem cedo.

Falsas marolas no lago,
Do sapo que movimenta,
A noite já nos domina,
A lua é que sobe lenta.

O anil do céu enegrece,
Tal qual a luz que apago,
Muita estrela que aparece,
Bordando a água do lago.

Forma-se um clima lindo,
A natureza é alegria,
O sapo, o lago e a flor,
Meu coração inebria.

Sinto, fundo, dentro d’alma,
Tal qual o sapo a coaxar,
Um desejo muito forte,
Da companheira, encontrar.

Então canto à natureza,
Canções com aroma de flor,
Tão doces que a melodia,
Enche o  meu peito de amor.

O sapo já satisfeito,
Nas pedras tem seu abrigo,

Enquanto eu, seu amigo,
Animado me deleito.

As estrelas cintilando,
Na superfície do lago,
Imitam ao véu e grinalda,
Da noiva que tenho ao lado.

Obedecendo aos preceitos,
Sociais e naturais,
Eu e também o sapo,
Queremos um algo a mais.

Algo mais, bem corriqueiro,
Que preenche o sentimento,
Pois, das duas ela é uma,
Razão para o casamento.

Ninguém é dono de nada,
Do mundo e tudo que tem,
Pois, quem tem dois, dando um,
Não faltará pra ninguém.

Se, apenas olhei o sapo,
O lago, a flor e cantei,
Qual o sapo, a companheira,
Por sorte, também achei.

Se sempre nos respeitarmos
Cada um viver seu canto,
A vida será feliz,
Ninguém verterá o pranto.

O homem, o sapo e a flor,
O aroma, estrelas, a noite,
Aos incrédulos da vida,
É sempre terrível açoite.

Paz, carinho, muito amor,
Só cabem no coração,
Dos homens que têm n’alma,
Um feitio de oração.

      Palavras amenas, doces,
      Bem claras, nada de “papo”,
      Serão, assim, as verdades,
     Como o coaxar do sapo.


     Agora que estou seguro,
     Vou pelo caminho certo,
     Pois, vejo longe a tristeza
     E sinto a alegria perto.



    Depois dos, muito, amanhãs,
    Sapo velho e eu também,
    Partiremos desse mundo,
    Onde não fica ninguém.



    Será duro separar-se
    Da companheira fiel,
    Tal como escrever bilhete,
    Quando não há mais papel.


    Então, só quem for depois,
    Curtirá toda amargura.
    Após a vida feliz,
    Perderá toda ternura.



   Aí nos olhos do sapo,
  Que ao cair da tarde eu vi,
  Brotará mais uma lágrima,
  Por ela e não que morri.
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2º Lugar no Concurso Nacional de Poesia Prêmio Academia Literária de Barretos - SP.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

DIÁLOGO SOLITÁRIO

Condorcet Aranha                        


O caderno está aberto
E a caneta está na mão,
O poeta quer o verso
Por estar na solidão.

O canário muito esperto,
Na gaiola, solta o canto,
Se o momento é adverso
Não se justifica o pranto.

O poeta está confuso
Não lhe brota inspiração,
Da vida parece excluso
E escravo da solidão.

O canário? Canta forte,
Alegre e descontraído,
Entregando à própria sorte
O ser ou não aplaudido.

O poeta? Intrigado,
Faz ao canário a pergunta:
Tendo o seu canto escutado
A canária a ti se ajunta?

A gaiola está fechada
Te confina a quatro cantos,
A canária sem entrada,
Cansará de seus encantos.

O canário nunca fala,
É feliz e apenas canta,
Mas poeta se atrapalha
E até consigo se espanta.

Estou falando sozinho?
Com o canário da gaiola?
Sou ave que perde o ninho
Ou estou ruim da “cachola”?

Mas, poeta é como o encanto,
Da missa faz procissão,
Resiste como o amianto
Ao fogo da sedução.

 Segurando uma caneta
 Grande idéia logo tem,
 Pois vê olhando a ampulheta,
 Que a areia é escrava também.

 Ele, o canário e a areia,
 São mesmo três sofredores,
 Dois têm sangue nas veias,
 Mas ela não sente dores.

 Então, pergunta o poeta,
 Ao seu próprio sentimento?
 A qual dos dois mais afeta,
 A espada do sofrimento?

 E ele mesmo responde
 Em prosa e versos rimados:
 É tudo igual! Corresponde
 Aos danos que são causados.

 Porém, o canário cantor,
 Não concorda com a tese,
 Sem remédio para dor
 Sofre mais quando padece.

 Por terem sangue nas veias,
 Jamais cedem seu lugar,
 Também, não são grãos de areia,
 Que deixam o vento levar.

  Tanto o canário a cantar
  Qual poeta a versejar,
  Nenhum dos dois vai fugir,
  E a areia os vai engolir.