segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

MINHA NOITE COM UM GRILO

           Condorcet Aranha                                                                    

         Numa linda manhã de verão, flores teimosas e coloridas, pareciam não querer por fim na primavera. Enormes nesgas de algodão passeavam sem rumo pelo céu azul e, lá daquele azul, uma forte luz se projetava sobre a terra, amarelando-a. A luz também se refletia na superfície do verde mar que, em ondas quase sincronizadas, parecia querer alcançar, por sobre a areia, o intenso e misterioso verde da floresta atlântica.
        Todo esplendor da natureza emoldurava-se, pela capacidade de alcance dos meus olhos que tentavam saltar das órbitas, para ingressar naquela tela, executada pelo mais pródigo dos pintores.
        Impossibilitado de resistir ao esplendor daquele chamamento e automatizado pela força do desejo, caminhei celeremente para o interior da floresta.
       O sol que impiedosamente queimava a minha tez, filtrado pelas irregulares folhagens das frondosas copas de árvores gigantescas, acabou cedendo em seu rigor. A temperatura tornava-se mais agradável.
        Nas sombras dos ramos e nos caules tortuosos ou gigantescos, mamíferos, roedores, répteis e pássaros passeavam ou repousavam, enquanto muitos emitiam sons ou assovios característicos, numa verdadeira sinfonia, substituindo aos rumores intermitentes das ondas do mar, há muito deixado pra trás.
       A cada instante meus pulmões deleitavam-se com maior quantidade de oxigênio e minha mente, juntamente com as pernas, incansavelmente, levavam-me cada vez mais para o interior e conforto que a floresta oferecia, mas inevitavelmente também mais misteriosa.
       As sombras foram se juntando e, rapidamente, como num passe de mágica, ali estava eu, completamente perdido e a poucos minutos de ser envolvido pelo véu da noite. O céu que já não conseguia ver, apenas aparecia por instantes devido aos raios de prata que se faziam seguidos por trovões.
       Todo o conforto e tranqüilidade davam lugar à insegurança, ao temor pelo desconhecido.
       Naqueles instantes de luz, tentava encontrar o caminho de volta, porém a paisagem não tinha mais significado, era tudo igual, escuro, muito escuro.
       Repentinamente um simples som chamou a minha atenção: “cri-cri”... “cri-cri”... “cri”...”cri”..“cri”...”cri”..., É um grilo! Exclamei em voz alta. Era um achado, pois a partir daquele momento, não estava mais sozinho naquela aventura.
       Já sentado sobre um tronco, quase que totalmente apodrecido, vencido pelo cansaço, durante o clarão de um raio, surpreendi o grilo e o aprisionei, dentro de uma pequena caixa de fósforos vazia que, inconscientemente ou por excesso de consciência e não querer deixar detritos na floresta, havia guardado em um dos bolsos de minha calça.
       Agora sim, estava preparado para enfrentar aquela noite que já nos dominava.
       Viu como foi bom? Disse para o grilo. Agora podemos continuar nossa conversa na primeira pessoa do plural e, caso algum imprevisto suprima da cena um de nós, restará o outro como testemunho da veracidade dessa nossa história.
       Rugidos e uivos, uma alcatéia de guarás; barulho no mato sendo pisoteado e rompido por grupos de animais, de diferentes modos de correr, com certeza pelas antas e veados; um típico silvo de cobra; vôos de morcegos que deslocam das copas das árvores; macacos que se alvoroçam quando deveriam estar dormindo; coaxar de sapos; cheiro de gambás nos ramos de árvores próximas; corujas emitindo verdadeiras gargalhadas; saltos de serelepes, de mãos-pelada; curtos grunhidos de cachorros-do-mato; disparadas de jaguatiricas em busca de suas presas; minha insegurança aumenta e  então busquei apoio no meu companheiro, aquele dentro da caixa de fósforos, o grilo, perguntando-lhe: Você está escutando toda essa barulheira e movimentação? - Respondeu-me o grilo: E você está escutando o meu “cri”... “cri”... “cri” ? - Disse-lhe: Eu não! - Completou o grilo: Então você já está fora de sua razão, controle-se e lembre que também faz parte desse ambiente, que é apenas mais um integrante da cena. – Apesar de não me sentir muito convicto, tive que aceitar a colocação do grilo. Voltei a recostar-me e em seguida aquietei-me, vencido pelo insistente sono.
       Com os primeiros raios de sol da manhã, filtrados pelas folhagens, acordei meio atordoado e espantado. Num rápido movimento sentei-me, ainda não refeito da tumultuada noite, levei as mãos ao colo, mas não achei a caixa-de-fósforo, aonde havia guardado o grilo.
      Caramba! Era meu único testemunho! Olhei em torno e percebi, estar à beira da cama.
      Ah! Agora sim, que alívio! Alívio ou desilusão? Tinha que ser um sonho absurdo, obviamente que a nossa mata atlântica não tem mais tudo isso! 
      Lamento e peço-lhes desculpa por aquele grilo nem existir.

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