quinta-feira, 28 de abril de 2011

AS ÚLTIMAS HORAS

 
Condorcet Aranha

      Belarmino era escritor e poeta dos mais conceituados, porém muito introvertido e, por esta razão, pouco aparecia na mídia literária. Apesar de participar, insistentemente, de concursos literários em nível nacional e internacional, jamais obtivera um prêmio. Suas obras sempre estavam presentes entre as finalistas, porém, quando da classificação, jamais alcançavam uma das três primeiras colocações. Assim, embora a gaveta de sua escrivaninha estivesse lotada de diplomas e certificados de participação, a prateleira acima da escrivaninha era um desafio permanente e mantinha-se vazia há anos.
      Homem de parcos recursos guardava como a prateleira, a esperança de que um dia alcançaria o grande prêmio e até, quem sabe, vencer o acanhamento e participar da solenidade de entrega dos prêmios, conhecer pessoalmente muitos daqueles que sempre abocanhavam os maiores e com eles trocar algumas palavras que, certamente, trariam as orientações necessárias para seu aperfeiçoamento.
      Os anos se passavam, seus trabalhos acumulavam participações nos concursos, a prateleira mantinha-se vazia, na gaveta da escrivaninha não mais cabiam os diplomas e certificados, Belarmino envelhecera e, com ele a prateleira, também a esperança perdia forças.
       Era dia primeiro de novembro de dois mil e quatro, pouco mais das vinte e uma horas quando foi até a padaria comprar alguma coisa para o café da manhã seguinte. Ao sair da padaria, deparou com um pequeno jornal jogado na calçada, parou, deu uma olhada e viu tratar-se de um exemplar do “Divulgação de Concursos Literários”, pegou o jornal, mas nada pôde ler em sua primeira página porque estava muito suja. Virou-a página e ali anunciava Prêmio Contos 2004 Heloísa Maranhão, inscrições até 1° de novembro de 2004, os contos serão enviados exclusivamente pela Internet, colados no corpo da mensagem, pelo e.mail do concurso: falasp2004@yahoo.com.br
       Belarmino pensou, estou nas últimas horas do dia, mas esse fato pode ser a luz que há tantos anos procuro, afinal de contas nunca participei de um concurso pela Internet, preciso encontrar um tema, redigi-lo e encaminhá-lo. Depois de tanto usar a sua imaginação e nada encontrar, pressionado pelas últimas horas, perguntou-se:
-   Por que não expor a minha angústia que também é a da minha prateleira e transformá-la num conto da vida real? Dirigiu-se ao computador e escreveu sob o título de “As últimas horas” todos os desenganos que passou por muitos anos em busca daquele que seria o seu primeiro galardão.
      O destino sempre tem as suas surpresas e, Belarmino foi anunciado, ao final do mês de dezembro, como um dos seis autores ganhadores do Concurso, alcançando pela primeira vez o lugar mais alto do pódio literário. Recebeu além de suas láureas, um lindo troféu de cristal puro e o seu nome foi divulgado por diversos meios de comunicação escrita e falada.
      De volta ao aconchego de sua simplicidade, Belarmino pegou o seu lindo troféu, subiu em uma cadeira e depois de beijá-lo, enquanto, delicadamente, o colocava na prateleira, pronunciava as seguintes palavras:
-    Aqui está o nosso troféu, minha amiga inseparável, após tantos anos de espera, não é? Mas, valeu a pena, pois, só assim, entendemos porque a esperança é mesmo a última que morre. Ao soltar o troféu na prateleira muito velha e totalmente tomada pelos cupins ela se quebrou e, na tentativa desesperada de salvar seu único trunfo, ele caiu da cadeira, bateu a cabeça, registrando com aquela cena as últimas horas de sua existência.

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