Nascido numa favela do Rio de
Janeiro, ironicamente, batizado como Brasil Valente dos Santos, aquele menino
franzino, anêmico e abarrotado de vermes, venceria a todas as expectativas e,
depois de passar fome, ser agredido quase diariamente por um pai bêbado, não
ter a atenção da mãe, sofrer agressões físicas e morais por parte dos meninos
maiores, chegaria à pré-adolescência cheio de mágoas, rancores e muita vontade
de vingança. Sim, muita vontade de
vingança de tudo e de todos.
Como freqüentou a escola por oito anos,
ali conviveu com amigos que traziam em suas almas, as mesmas dores, as máculas
irreversíveis e os mesmos ódios. Também aprendeu a enfrentar as crueldades com
igual ira, única forma de sobrevivência nessas condições.
Agora
adolescente, lembrava da escola como uma verdadeira cadeia, porque, durante
longos oito anos, ali sofreu castigos das professoras, das diretoras e até de
alguns colegas maiores que, como elas, o viam como um menino sem educação,
regras, respeito, enfim, um típico exemplo da maldade. Mas, assim era e ainda é
o Brasil Valente dos Santos, um revoltado por nunca ter recebido um mínimo de
atenção e carregar em seu físico doente as marcas de um passado de agressões.
Como conviver diante desta realidade, dentro de uma sociedade tão desigual e
entender seus parceiros, ex-professoras e diretoras da escola que jamais
passaram um dia sequer, naquelas condições que talharam o seu físico, como
também a sua personalidade? O seu coração batia sempre forte, portanto, estava
vivo. Vivo e totalmente só, abandonado entre milhões de “cidadãos” que sequer
conseguiam parar seus olhares na sua imagem por alguns segundos. Brasil Valente
dos Santos sentia-se como um caco de vidro, transparente, mas invisível,
estático, porém temido, tanto que ninguém dele se aproximava. Em seu interior,
crescia a repugnância contra os mais abastados, a revolta pelo desprezo e a
angústia pela falta de perspectivas futuras. Porém, a todos os seres vivos é
dado o direito de interação no meio ambiente e cada coração bate, independente,
e é capaz de ao seu modo, também amar.
Sem saúde, sem cultura, sem respeito ou
emprego, como esse jovem, um dos mais de alguns milhões, conseguiria colocar em
sua boca um pedaço de pão? Então ele pensou:
-
Vou procurar auxílio num órgão público de amparo à criança e ao
adolescente. Assim ele fez, afinal, era valente até no nome. A indiferença com
que foi recebido, o modo com que foi tratado durante sua estada, trouxe a sua
mente nítida lembrança da triste infância e da fase escolar, ali, também
estavam os grupos dos mais fortes que imperavam e subjugavam aos demais, num
recinto fechado e sem direitos, mas com muitos deveres em sua maioria ilegais o
que, certamente, o arrastaria para o vício, às drogas e à criminalidade.
Portanto, se o Brasil Valente não era suficiente, ainda lhe restava o “dos
Santos” e foi aí que o menino se encontrou com a fé, com a esperança e o amor.
Fugiu da casa de amparo ao carente e caminhou sem destino, ao se deparar com
uma linda igreja, entrou e depois do sinal da cruz, ali fez a sua primeira e
mais sincera oração, apesar de nunca ter aprendido nenhuma.
Ao
sair da igreja, foi abordado por um senhor que perguntou, porque estava com
aquela aparência tão triste?
Embora surpreso Brasil era valente e
acabava de entregar-se aos Santos. Então, como sempre transparente como o caco
de vidro, contou toda a sua história.
Atento à narrativa do menino, o senhor
sentiu fluir a sinceridade daquelas palavras e, comovido, convidou-o para ir
trabalhar com ele em sua padaria. Assim, fez, deu-lhe morada, alimento, emprego
e atenção.
Uma semana depois, ao sair para o
trabalho, às quatro horas da manhã, Brasil Valente dos Santos, foi vítima de
assalto e ao reagir para defender o seu direito de cidadão honesto, foi
assassinado com três tiros.
Enquanto agonizava na sarjeta aonde
vivera praticamente toda a sua existência, um rápido filme passou em sua
cabeça: “Aqui está a imagem do Brasil, um derrotado que apesar de Valente, foi
vencido pela criminalidade e entregue aos Santos antes da hora. E qual seria a
minha hora, caso tivesse continuado na sarjeta? Teria conseguido concluir os
meus sonhos e transformado em realidade as minhas ilusões, embora fossem
maléficas e criminosas?”.
Assim, partiu mais um cidadão brasileiro
que tentou de todas as formas se manter na trilha do bem, envolvido pelas
incertezas e irremediavelmente vencido pela insegurança.
Em meio a tantas dúvidas, mentiras,
corrupções, desigualdades sociais, criminalidade e total falta de assistência à
criança e ao jovem, como poderia o nosso Brasil encontrar o caminho do bem, da
prosperidade e da paz?
Quantos serão os “brasis valente” que
ainda entregaremos, prematuramente, aos Santos, até que a moral consiga se
impor e junto com a vergonha encontre um espaço para se alojar na cabeça desses
nossos governantes irresponsáveis e acumuladores de riquezas resultantes de
fraudes e desvios?
Brasil Valente dos Santos eu invoco o
seu perdão por minha incapacidade de protegê-lo quando mais precisou, mas,
tenha a certeza que te amo Brasil, respeito-o por todos os momentos que a vida
o testou, pois, recebeu de ti uma atitude Valente e, hoje, vejo que você,
também, foi Santo como esses outros que te levaram prematuramente.
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