Noite de 24 de dezembro de 1945, os traumas da
Segunda Grande Guerra, recentemente terminada, estavam se arrefecendo e as
famílias voltavam aos seus hábitos normais. A inquietação já não mais existia,
pouco a pouco, a alegria ia se estampando em cada rosto. Os sorrisos se
multiplicavam, os casos dramáticos vividos nas frentes dos combates, não
encontravam mais espaço na imprensa escrita da época. Ao cair da tarde as crianças
voltaram a brincar nas calçadas. Os adultos traziam suas cadeiras à frente de
suas residências e ali se encontravam, trocando idéias e fazendo comentários,
só que o assunto era o futebol e, para as mulheres a moda e os vestidos,
sapatos, além dos volumosos penteados. Mas no mundo infantil, o dono da mídia
era o Papai Noel, a curiosidade de saber quais os brinquedos pedidos e que
seriam trazidos pelo bom velhinho, era o assunto que lhe interessava. Que bom
ser criança, poder ter a inocência de dar as suas mãos a qualquer pessoa, sem a
preocupação de seus desígnios.
Já avançava a
noite quando nossos pais recolheram-se, junto com suas cadeiras, para dentro de
casa. A curiosidade e a ansiedade eram sócias inseparáveis, as batidas dos
pequeninos corações aceleravam celeremente, as perguntas mais do que óbvias que
eram repetidas em intervalos cada vez menores: a que horas que o Papai Noel
chegará? Poucas horas e minutos
intermináveis. Os ponteiros do velho relógio de parede, pareciam estar colados
ao mostrador e os segundos batidos pelo badalo, “tic-tac” , “tic-tac”, ainda
aguçavam mais a expectativa, a descarga de adrenalina era intermitente e minha
mente não descansava, sequer por um único segundo, fabricando barulhos de
portas e janelas. Gritava eu: Papai Noel chegou! Em seguida respondiam meus pais e avós, não!
Foi apenas o vento batendo as folhas da janela. Era como uma pedra de gelo
colocada na fervura do meu sangue que já circulava a flor da pele. Cada vez que
dirigia meu olhar para o velho relógio, lá estava ele, preguiçoso e cada vez
mais devagar. Ai eu pedia para o meu avô: dá mais corda no relógio. Sua
resposta era uma grande gargalhada.
Colocada à
mesa, a ceia, por sinal, bastante lauta, onde a rabanada e o champanhe eram
imprescindíveis, juntamente com as castanhas, nozes e muitas outras guloseimas,
heroicamente eu resistia à tentação, tamanha era a minha expectativa.
Finalmente vencido pela boca do estômago, sentei-me ao lado da mesa, e minha
mãe, como sempre, generosamente serviu-me com a sua costumeira paciência e o
que é melhor, carregando nas iguarias que, já sabia de cor, eram de minha
preferência. Ah!.. Que saudades daquela imagem à semelhança de santa.
Concentrado
na ceia e sistematicamente olhando para o relógio da parede, nem percebi a
ausência de meu pai, por alguns instantes, tempo suficiente para que todos os
presentes, fossem, cuidadosamente, colocados ao lado de minha cama. Voltou para
a mesa e nem dei pelo fato. Que saudade daquela inocência! Como seria importante,
se pudesse mantê-la em meu peito. De repente, sem que eu esperasse, disse minha
avó: parece que escutei barulho na porta da rua! Um frio correu minha espinha
dorsal. Disse meu avô: será que o Papai Noel chegou?
Quase que
afirmativamente, minha mãe completou: acho que sim? Nesse momento, faltaram-me
o fôlego e a coragem. Senti minhas pernas trêmulas, levantei-me cauteloso e
lentamente dirigi-me pelo corredor, ao avistar a porta de meu quarto, ainda
fechada, olhei para a bandeira da porta e lá estava ele, sorrindo para mim,
aquele rosto de linhas fortes, cabelos longos como a barba e o bigode, todos
muito brancos. Sai gritando, de volta para a sala, Papai Noel... Papai Noel ...
Eu vi o Papai Noel ... Ah se pudesse ainda hoje, ter toda aquela fé e
expectativa, capazes de concretizarem minhas ambições sentimentais. A força
interior suficiente para mudar o curso de tantas mazelas e injustiças que ao
longo dessa minha vida, tenho tido o dissabor de presenciar! Porque tantos
problemas e discordâncias têm que existir entre os homens? Porque tanta
violência? Tanta insegurança? Mas não desanimei e, espero que todos vocês façam
o mesmo, continuem suas trajetórias, persistam firmes nos seus propósitos
decentes e honestos de vida e de convivência, com seus peitos e corações
abertos, emanando a expressão mais singela, o amor, porque como eu, naquela
noite de 24 de dezembro de 1945, pouco depois de os ponteiros se encontrarem na
parte superior do mostrador daquele velho relógio de parede, como minha avó me ensinara,
ao adentrar a porta de meu quarto, ainda receoso pelo impacto da presença de
Papai Noel, lá estavam todos os meus desejos, satisfeitos e cuidadosamente
arranjados ao lado de minha cama. E se lá estavam, tenham certeza, é porque eu
fiz por merecê-los, pois a minha vontade de vencer foi tamanha e a honestidade
dos meus propósitos tão reais que, a natureza não pode evitar-me e acabou por
satisfazer todos os meus anseios. Alcancem também os seus.