sábado, 10 de setembro de 2011

ÁGUIAS-NEGRAS



Condorcet Aranha 

      Ali eles cresceram, na periferia de uma metrópole, uma das maiores e mais progressista do mundo. Entre a falta de cultura, de assistência dos pais, de saneamento básico, de condições de saúde, de alimentação e, abrigados, debaixo de pedaços de madeiras, latas e plásticos, resistindo ao calor e ao frio, safando-se das condições adversas através de pequenos furtos e roubos, violentados pelos meninos maiores e tornaram-se adultos. Sim, tornaram-se adultos, não homens, pois lhes faltavam a dignidade, assistência psicológica e social, a educação e a cultura. Portanto, quando formaram esse grupo, identificado pelos mesmos sentimentos de abandono, falta de carinho, sofrimentos e agressões, só poderiam visualizar a sobrevivência num mundo cão, aonde a força, aliada a um alto grau de esperteza, são as condições indispensáveis para que, um ser vivo, se mantenha vivo e adquira algum bem material, capaz de tornar as condições de seus parentes ascendentes e descendentes, um pouco melhores.
      Assim é que nasceram os Águias-Negras. Aterrorizavam os bairros vizinhos e depois em outras cidades, ampliando seu campo de atividade, como também, as suas ações criminosas. Impiedosos, furtavam e agrediam suas vítimas, deixando-lhes marcas que os acompanharam até que suas matérias, reivindicadas pelo “Senhor”, estivessem putrefatas para que, finalmente, fossem consumidas pelos microorganismos.
      Lembram dos saqueadores pré-históricos? Nada mudou no conceito nem no caráter humano. Lembram das cavernas por onde os homens passaram, antes de chegarem às grandes metrópoles contemporâneas? Pois é, lá estavam melhores condições de sobrevivência se comparadas às de hoje, nas miseráveis periferias das nossas “grandes” cidades. 
      Como os Águias-Negras poderiam ser aves dóceis se são rapinas na expressão da boa palavra? Quando erguem seus vôos em busca de uma nova vítima para saciarem sua fome intempestiva ou alimentarem seus filhotes, protegidos em ninhos aconchegantes, cercados por outras águias, portando armas poderosas, nos altos morros que pontilham os mapas de nossas principais metrópoles, os Águias-Negras não podem falhar e nem deixar vestígios de suas ações. A falta de cuidados com o meio ambiente obrigou os Águias-Negras a voarem para as pequenas cidades porque nelas, eram mais favoráveis as condições e ainda menor a resistência de suas vítimas. Por isso, no final de 2006, ano que antecede a Olimpíada do Rio de Janeiro,    eles agiram numa cidade do interior, onde invadiram uma loja para se apoderarem de R$ 20.000,00 e, para concretizarem seu intento, seqüestraram ao casal proprietário, seu filho de cinco anos e mais uma funcionária.
       Se, visavam ao dinheiro, por que o seqüestro?
       Por que não tiveram o cuidado de se mascararem?
      Talvez, naquele instante, achassem desnecessário por já estarem com seus desígnios criminosos definidos.
       Lembram dos gladiadores da Antiga Roma?
       Depois de ter seu oponente totalmente dominado, olhavam para Nero e aguardavam a sua ordem. Então, quando, com o dedo polegar, indicava, a direção do solo, era desferido o golpe fatal no oponente indefeso.
        Pois saibam que da mesma forma, os Águias-Negras, no início do terceiro milênio, lídimos representantes do Homo Sapiens-Sapiens, maiores de idade e cidadãos comuns, que diariamente circulam entre nós, nos corredores da vida, aprisionaram seus desafetos na mala e interior de um carro roubado, ateando fogo ao veículo. Após cinco minutos, voltaram ao local para confirmar se todos estavam mortos. Afinal, precisavam eliminar toda e qualquer possibilidade de serem reconhecidos, já que haviam trabalhado para as vítimas anteriormente.
       Também, quem mandou essas pessoas nascerem com dois olhos e ficarem olhando para os outros? Não poderiam ser cegos?
       Esses são os atuais parâmetros da nossa sociedade contemporânea. Os valores materiais e a sensação de poder é que direcionam as atitudes dos homens, cada vez mais insensíveis aos sentimentos de amor, amizade, respeito e dignidade. A humanidade está investindo na individualidade e, mesmo nos pequenos grupos de convivência, existe uma busca de melhores condições e vantagens por parte de cada um. Aliado ao orgulho próprio está, ainda, a necessidade de ser líder nem que seja de uma dupla. Ninguém está preparado para servir uma comunidade ou sequer a um único semelhante.
       Por ironia do destino uma das vítimas sobreviveu e identificou um Águia-Negra. A justiça com suas estratégias, logo, encontrou os demais Águias-Negras, colocando-os em jaulas resistentes. Até quando? Não sabemos. Ademais, existem poucas jaulas para tantos Águias-Negras espalhados por esse mundo afora, inclusive tem sido uma das razões para justificar a soltura de Águias-Negras menores ou menos voluptuosos. Com o passar do tempo, seguindo esta premissa, deverão soltar as rapinas que tenham devorado algumas presas, para abrir espaços na jaula e manter presas apenas as que tiverem devorado maior número de presas. Assim caminha a humanidade globalizada, rumo ao futuro progressista.
        Afinal, quantas vítimas o Tsunami fez? Alguém o contestou, incriminou ou prendeu? Ele também sacrificou homens, mulheres, velhos e crianças indefesas. Quem o mandou e por que deu-lhe tanta força e ira?
       Nos momentos que antecederam à tremenda tragédia, pode-se criar, sem medo de errar, o seguinte diálogo:
                                           1 – Na mala do carro:
-           Meu Deus! Salve nosso filho.
-           Abrace-me querida, ainda sairemos dessa e criaremos nosso filho.

                                           2 – Dentro do carro:
-           Não chore menino, Deus te salvará.
-           Estou com medo. Quero meus pais...
-           Eles logo serão soltos da mala do carro. Tenha calma, filho...
-           Será que vamos descer? Eles pararam o carro...
-           Tenhamos fé, Deus não nos abandonará nesse momento...
-           Porque eles estão molhando todo o carro e travaram as portas?
-           Abrace-me filho, só nos resta Deus...

       Uma explosão, as chamas, o desespero, os gritos e finalmente o silêncio. O maldito silêncio, insuportável, enigmático, impiedoso, inexplicável.
       Conseguindo escapar por uma das portas do carro, a funcionária rola pelo chão abraçada ao menino, na tentativa de apagar o fogo.
       Os Águias-Negras retornam para confirmar se o plano está concretizado.
       Ela finge-se de morta e consegue enganá-los. Dois dias se passam e o menino parte para o infinito. Mais alguns dias a tragédia é consumada depois que ela reconhece um dos Águias-Negras e vai encontrar-se com àqueles que fizeram parte dessa tragédia.
      
        É vamos em frente! Como de costume, estou sentado à frente do computador, no qual vou escrevendo minhas histórias. Histórias? Não! São fatos reais. Os Águias-Negras estão espalhados por todo o meu País, aterrorizando, barbarizando, mostrando toda a fragilidade do esquema de segurança que é oferecido ao nosso povo sofrido, trabalhador inveterado que, infelizmente, não merece sequer um pouco de respeito por parte da administração pública.
       Até quando estarei diante do meu computador? Não sei! Porém, enquanto eu tiver forças e não for encontrado por um Águia-Negra ou uma bala perdida, o silêncio não será minha companhia, porque a verdade é a maior virtude do mundo e jamais deixa espaço para qualquer outra.
       Muitos e muitos anos passarão, quem sabe décadas, séculos ou milênios até que cidadãos como nós, poderão caminhar, sossegados, nas avenidas das grandes metrópoles e, casais, como aquele casal dono de uma loja, sua funcionária e seu menino de cinco anos, estarão, numa tarde tranqüila, visitando um Museu, onde estará exposta, não uma múmia ou esqueleto de um enorme animal, mas uma Águia-Negra tendo aos seus pés, a seguinte inscrição: “Exemplar de antigo cidadão que viveu em nossa sociedade”.

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